Hoje (28/05/11) na TV Justiça, o promotor de justiça Roberto Tardelli comentava o quanto estamos longe do ideal republicano da igualdade e a insistência em mostrar que uns valem mais que outros. E para ilustrar citou vários exemplos: a existência de elevadores privativos em prédios públicos como os fóruns; cadeiras privativas em estádios públicos como o Pacaembu e o fato de nossos governantes morarem em palácios, um símbolo da aristocracia. Como contraponto citou o exemplo da Argentina, onde a residência oficial do presidente é a Casa Rosada. Esses exemplos mostram como não existe neutralidade nas várias áreas do conhecimento. Neste caso, a Arquitetura serve para reforçar o valor da desigualdade e de uma classe social sobre a outra, chegando ao cúmulo de filhos de juristas queimarem um índio como se queima um lixo que incomoda. Chega ao cúmulo de Kassab encontrar como solução para os mendigos que dormem sob os viadutos, deixar as calçadas com saliências, funcionando como se fosse uma cama de faquir, com pontas de pregos, onde ninguém consiga dormir. Imediatamente me lembrei do escândalo e da resistência em aceitar o batismo de uma escola pública, próxima a minha casa em São Paulo, com o nome de Santo Dias da Silva. Para quem não sabe, Santo Dias era sindicalista e foi morto pela Polícia Militar na porta de uma indústria em Santo Amaro. Segundo notícias veiculadas na época pela imprensa, foi uma morte calculada porque o policial mirou nele e não deixou socorrê-lo a tempo. Quando foi levado para o hospital, já havia perdido muito sangue. Após sua morte, houve uma das maiores manifestações públicas em São Paulo, durante o período da ditadura. Muitos de nós que usufruímos o direito ao limite de oito horas de trabalho, férias, décimo terceiro, seguro desemprego, não refletimos que esses direitos só foram conquistados pelas lutas trabalhistas, depois de muitas greves e muitas mortes de trabalhadores, da mesma forma como a nossa independência só aconteceu depois da morte de Tiradentes e muitos outros que hoje são venerados como heróis nacionais. Historiadores atuais mostram que a história não é neutra e ela tem sido contada do ponto de vista da classe dominante, que escolhe quais heróis devem ser lembrados e quais devem ser esquecidos. É esse tipo de atitude que explica que conhecidos torturadores e golpistas sejam nomes de ruas, escolas ou outros prédios públicos. Como diz Brecht, dramaturgo alemão, nomeia-se as pirâmides com o nome dos faraós mas aqueles que morreram para construí-las foram esquecidos. A burguesia queria derrotar a aristocracia na Revolução Francesa, fato que marcaria o início da idade contemporânea. No entanto, não conseguiria sem o apoio do povo. Para isso, acena com a bandeira da LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE. No entanto, enquanto as classes dominantes têm ao seu serviço todos os meios de comunicação, para uma comunidade ou sindicato conseguir a liberação de uma rádio comunitária é muito difícil. Igrejas possuem redes de TV mas aos sindicatos de trabalhadores é negado esse direito. Segundo Gramsci, a maneira da burguesia conseguir se manter hegemônica, ou seja, ser o poder dominante, é conseguir que seus valores sejam reconhecidos e respeitados pela classe dominada, e a forma de conseguir isso é através da criação de heróis que todos admiram e que representam esses valores. Daí torná-los presentes através de monumentos, de nomes de ruas e de todos os espaços públicos. O espaço público é apropriado por uma classe que procura impedir a criação da memória dos heróis populares. Daí a resistência ao nome de Santo Dias. Heróis populares são estimulados na área de esportes, da música, do folclore, mas não da luta pelos direitos e pela cidadania. E essa realidade só vai mudar pela vigilância constante dos cidadãos, especialmente dos movimentos populares.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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