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COLUNISTA
Alexandru Solomon
18/05/2011 - 07h29
Gente diferenciada
 
 
Conversa (des)afinada

Inúmeros são aqueles que se tornam reféns de suas palavras. Formuladas, dependendo do caso, após demorada reflexão, ou apenas para romper um silêncio constrangedor, ou ainda para atender às insistências de um repórter, elas podem se transformar em rótulo inamovível. A História encarrega-se de eternizá-las, vez por outra dotando de atestado de veracidade inconteste até a falas que jamais foram proferidas. A partir disso, tornar-se herói ou vilão, é apenas uma questão de tempo, haja ou não “reconhecimento de firma”, digo, de autoria.

Por exemplo, o general Cambronne nunca disse: “La garde meurt mais ne se rend pas” – a guarda morre mas não se rende – na batalha de Waterloo. Nem por isso ele deixou de ser citado em manuais escolares como exemplo de heroísmo e obstinação.

Voltando aos nossos tristes trópicos, sem fazer nenhum julgamento de mérito nem discutir-lhes a autenticidade, temos inúmeras pérolas. Citaremos algumas sem mencionar-lhes a paternidade, mesmo porque seria mera perda de tempo. O simples enunciado já identifica o autor, tamanha sua divulgação. Exemplos? “Minha mãe nasceu analfabeta”, “Mata, mas não estupra”, “Esqueçam o que escrevi”, “O Brasil não é um país sério”...

Há frases felizes, mesmo que jamais tenham sido pronunciadas, como “E pur si muove” , há frases infelizes colhidas por jornalistas, logo autênticas, como a atualíssima menção à “gente diferenciada”. Esta última desencadeou uma verdadeira tempestade nos meios de comunicação, redes sociais, ou simples conversas de botequim.

De imediato, surgiu a tendência de promovê-la em expressão do pensamento de uma zelite segregacionista, em tentativa de consagrar uma nova espécie de apartheid, em suma, o estopim de uma guerra de secessão, um lembrete – e por que não? – um apelo à mobilização sob a bandeira erguida em função da existência de uma permanente luta de classes. O rato parido por essa montanha foi de tamanho apreciável. É até um caso de pérola maior que a ostra.

Generalizar é fácil. Todos os moradores do bairro Higienópolis, em São Paulo, ‘sem exceção’, foram automaticamente classificados, por alguns, como expoentes da “burguesia que fede” – outra expressão de discutível bom-gosto. Fala sério, gente! Como concessão máxima surgiu a fórmula edulcorante: “Talvez nem todos pensem assim”. Muito obrigado!

Legiões de sociólogos de ocasião, travestidos de urbanistas nas horas vagas, agitaram as mídias, isso porque determinada senhora teve a infelicidade de proferir, sem pensar ou pensando, as palavras fatídicas. Admitamos até que essa bobagem tenha sido emitida voluntariamente. Parece um total disparate assumir que tenha sido a maneira de pensar de uma população. Um entendido em Estatística poderia discorrer sobre a representatividade da amostra. Neste caso o discurso viria tarde demais. O mal já está feito.

Pior. Alguns mamíferos, ou seriam invertebrados? – viram nisso a oportunidade de dar vazão a baixarias antissemitas ‘tuitadas’ e “facebookadas” em todas as direções. Localizaram os “maus” de plantão! Vezes há em que a boçalidade não conhece limites.

Outros seres aprofundaram suas análises sóciopolíticas em outras direções, resultando interpretações tais como a de ter havido “a capitulação do governo tucano ante o poder de fogo do capital”, com o reestudo da localização da discutida estação.

Tudo isso é profundamente lamentável e preocupante. Ou não?

Não é o caso de dramatizar. Os descamisados não invadirão o tal reduto da burguesia. As piadas relativas ao Holocausto deverão parar na lixeira – ao menos é o que se espera.

E quanto à localização da estação de metrô?

Talvez não se trate da linha de maior prioridade, mas já que foi iniciada, que seja concluída. A extensão de nossa rede de metrô é ridícula ante as necessidades da metrópole. Obviamente, a Avenida Angélica continuará estreita. O metrô jamais conseguiu funcionar como stent nas artérias entupidas de qualquer cidade, mas poderá contribuir para diminuir o tráfego de automóveis, desde que a rede ofereça uma cobertura abrangente, o que, por enquanto, ainda não é o caso por aqui. A localização das estações obedece, em princípio, a estudos – é o que espera – cujo resultado é determinar o bônus resultante, cotejado com os danos causados. Melhor assim.

No caso dessa linha, é preciso tomar um cuidado especial com o fato de ela passar por debaixo de prédios antigos, em princípio alérgicos a vibrações – causadas tanto pelo “tatuzão” quanto pela futura passagem dos trens. É preciso não perder de vista a profundidade necessária, a qualidade do solo etc., mesmo que isso implique em estourar cronogramas. A imagem da cratera da estação Pinheiros, a das paredes de casas rachadas, a recente tragédia são motivo de legítima preocupação.

Desafio sobrenatural? Não.

Aqui mesmo, temos a linha que passa debaixo da Avenida Paulista. Em Roma, há uma estação de metrô em frente ao Coliseu. Por piores que sejam as conseqüências de uma estação na esquina da Angélica com a Sergipe, jamais produzira efeitos comparáveis ao fiasco da estação Châtelet em Paris. Convenhamos: destruir uma loja do Pão de Açúcar não terá a repercussão da demolição da mansão Matarazzo.

As palavras uma vez proferidas não voltam. É o destino da expressão “gente diferenciada”. Antes da autora local, o cantor e compositor Jacques Brel criou uma doce elegia: ”Ces gens-là” – “Essa gente”. Naquela época, não havia Twitter.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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