Conversa (des)afinada
Dependendo da maneira de manifestação do pensamento por meio da palavra, algumas expressões são divertidas, outras são irritantes. Depende do humor do leitor ou da testemunha. Em suma, nada garante o sucesso de uma “boutade”. Pelo contrário, há uma grande dose de incerteza nisso. Por exemplo, a junção da conjunção ´mas` e do advérbio ´também` aparece no Houaiss: Uns gostam de calor mas, também, há os que preferem o frio. Atualmente, usa-se: Nós brincamos de mensalão mas, também, vocês o usaram, até antes. Para chegar ao indiscutível corolário: O mensalão nunca existiu, foi apenas um achado da imprensa golpista. Como concessão, admite-se a existência do “mensalão do DEM”, na falta de expressão melhor que caracterizasse a sem-vergonhice, despudor ou desfaçatez, como queiram. O que seria esse mensalão se ele não existiu? Como definir um ato partindo de um ente que jamais existiu? Mistério! É de fundir a cuca e liquefazer neurônios. Ou não? Das brumas milenares, vem a expressão latina: Res, non verba, cujo significado é: Fatos não palavras. De acordo, parece o início de um discurso da nossa destemida oposição, tão carente de assunto. Antes fosse. Nossa oposição, espera o momento oportuno para dar seu bote – provavelmente depois de 2027 d.C. Mas há latinistas aboletados no pudê capazes de traduções mais imaginosas. Por exemplo, determinado senador, acuado por acusações insistentes, afirmou, salvo engano, que parte de seus recursos provinham da venda de cabeças de gado. Poderia ter dito do alto da tribuna: Res verba sunt, proporcionando um debate interessante entre os defensores da expressão latina e esse providencial aggiornamento. Para não perder o embalo, o titular da pasta da Fazenda poderia ouvir, sem prejuízo para seu desempenho a velha expressão: Ne sutor supra crepidam – sapateiro não vá além dos sapatos, mas seria perda de tempo. Sua Excelência não daria a menor pelota. Com toda a razão. Conhecido nos meios acadêmicos como um noveconomista implacável na sua luta contra a inflação, não haverá de se preocupar com sapatos, muito menos com as sandálias da humildade. Importante lembrar que ele traduz em fatos a orientação de Nossapresidenta que já disse à moda de Dolores Ibarruri – La Pasionaria tropical – que no passará. A inflação será barrada do baile. Mesmo porque, é objeto de atenção diuturnamente e até noturnamente, algo no estilo da propaganda de determinado banco à disposição dos usuários 30 horas por dia. Voltando ao titular da Fazenda, ele ilustra também a expressão longa manus quando resolve influenciar acionistas da Vale para a defenestração do seu presidente. Tudo inspirado num bordão tão vilipendiado como o do, ut des, o qual se traduziria por dou para que dês. Atualmente, se nota a tendência de atribuir um outro significado: o vulgar dá ou desce e estamos de volta ao longa manus, num círculo vicioso algo irritante. Discurso não falta à Sua Excelência. Inspirado em Luís XIV que queria para seu filho uma educação expurgada de licenciosidade e que, em conseqüência, exigia livros ad usum delphini – uma espécie de censura prévia, que jamais pintou por aqui, o Estadão que diga – o senhor G. M. produz discursos ad usum cretini, por assim considerar aqueles que (ainda) lhe dão ouvidos. Como estamos vivendo numa época de maniqueísmos tediosos e ousadas taxonomias que separam os bons petistas – com base aliada inclusa – e golpistas maus, presumidos torcedores do contra, é melhor esquecer tudo isso. Sem esquecer-nos da triste verdade: Stercus cuique suum bene olet, cuja tradução fica à guisa de exercício.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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