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COLUNISTA
Alexandru Solomon
15/03/2011 - 17h01
Quo vadis, Brasil? Le duela a quien le duela
 
 
Conversa (des)afinada

O ministro “mãos de tesoura” insiste em chamar o famoso “corte”, assunto de recentes manchetes de “consolidação fiscal”. Questão de gosto. Não deixa de ser questão, de mau gosto dessa vez, quantificar as economias possíveis a partir da redução de falcatruas – chamemo-las assim, com perdão pela rudeza do termo – praticadas em diversos órgãos. Se conhecidas, tão conhecidas a ponto de saber quanto se economizará com sua eliminação (será que existe uma rubrica oculta na LDO “desfalques até hoje tolerados”?), por que esperamos essa consolidação redentora para efetuá-los? Como dizia aquele ladrão: “Primeiro, não roubei aquele anel, nem sei do que estão falando e segundo, não era de ouro, apurei só 90 reais e 60 centavos na venda”.

Esse corte “consolidante” nasceu de cima para baixo, não foi o resultado de análise dos ministérios, que não sabem ainda como irão realizá-lo, e sim um ukasse, com precisão na casa de milhares de reais. Aos ministérios sobrou embalar um Mateus parido por outrem.

Há duas modalidades, óbvias, de cortar. Uma delas, conhecida como o método espanhol, consiste em chamar uma reunião, na qual Hera – a primeira-deusa – informa, olhando em direção à aura de Zeus (presença virtual e permanente no templo), que “Por ser o país rico aquele que não é pobre, é expressão de nossa vontade cortar do Orçamento R$ 50 bi, número obtido junto ao nosso numerólogo favorito. Faça-se! Dispersaaar!”. De imediato, os deuses de menor expressão reúnem os faunos, centauros, ciclopes, ninfas, musas (admitidas pelo sistema de cotas) e contabiloucos e pedem seu melhor esforço. A avalanche salvadora desce até o contínuo que decide não levar mais para casa os lápis da repartição, usados pela metade, adiando a decisão até gastarem 66,66%.

Dias depois, as divindades secundárias comparecem perante a principal com o fruto de suas planilhas, e tudo sobe numa salva de platina até os pés do trono reluzente, envolto numa chuva de estrelas cadentes. Um grupo de peritos em soma realiza a penosa operação e de duas uma. Ultrapassa-se o desejo supremo e só resta saber se essa proposta, mesmo mais dura vingará (risadas no público), ou, cenário mais provável, oh, lástima, fica-se aquém, e o látego entra em jogo. É convocado Hélios, deus do Sol, com seu chicote. Os cavalos Pírois, Eoo, Éton e Flégon que puxam sua carruagem são poupados do açoite, e sobra para os incompetentes que recebem um duro castigo, voltam para fazer a lição de casa, processo também conhecido como de “aproximações sucessivas”. Em suma, seguir-se-iam os passos de Goya, partindo da Maja vestida para a Maja desnuda, daí se falar em método espanhol. Dizem que o strip tease nasceu de forma idêntica. Não há provas.

A outra alternativa, seria o método veneziano ou de Shylock e consiste em jogar dardos, com o nome dos ministérios, em direção a um alvo provido de círculos concêntricos. Hera, o “Grand Guignol”, ou Miriam, irmã de Moises e de Aarão, sacam de um pote sagrado um bilhetinho com um nome. Eis que sai o nome do felizardo: “Ministério da Educação”. Ato contínuo, um deles atira a primeira pedra, perdão flecha. Zup... dardo número um – Ministério da Educação – finca-se no alvo; os árbitros (com PHD em agrimensura, passagem pelo INCRA etc.) medem, interpolam e extrapolam. Conclusão, uma vez feita a média das médias das medidas corrigida por um multiplicador paretiano, chega-se 3.101.894 mil. “Taí a tarefa de vocês. Terão de cortar isso sem verter uma gota de sangue”. Há uma tentativa de negociação, já que de acordo com Heisenberg conhecida a velocidade da flecha, a posição não pode ser definida, logo o número não é confiável. Em vão. A tríade responde secamente: Virem-se. Um dos raros antiantiamericanos presentes berra: Go!

O jogo prossegue, o alvo é substituído por um novo, no qual consta somente a diferença entre o sonhado objetivo e o corte anterior. Entra em cena o segundo atirador, enquanto o primeiro refaz suas energias, e assim sucessivamente. Os entendidos em física quântica já perceberam que não será necessário atirar a última flecha, já que o valor do último alvo será exatamente aquilo que falta para atingir os sonhados 50 bi, independentemente da posição do dardo.

Para aqueles que não entenderam recomenda-se assistir o filme “Lula o filho do Brasil” – haverão de gostar.

Existe isso? Só em planilhas Excel. Dizer que o Ministério da Educação, escolhido como exemplo, sofrerá um corte de R$ 3 bilhões faz sentido, goste-se ou não. Dizer que o corte será de R$ 3.101.894 mil (Valor 1/3 A3) mostra apenas um solene desprezo pelos algarismos significativos. Espera-se do parlamentar Tiririca um posicionamento firme nesse sentido, competência não lhe falta.

Falta explicitar se os conceitos foram bem assimilados. Cortar uma despesa cujo desembolso ocorrerá em 2012, evitando o critério “caixa” não é a mesma coisa que deixar de gastar em 2011. Como se não bastasse ter de administrar restos a pagar! Deixar de pagar em 2011 e empurrar (com a barriga e/ou caneta) para 2012 é sinônimo de jeitinho esperto, não de honestidade intelectual. Administrar “na boca do cofre” dá um inegável sabor de executivite, mas parece um processo primitivo, embora já tenha sido utilizada em “terra brasilis”. Ministrar uma dose de realismo no Orçamento, desinchando receitas propositalmente infladas sem nenhuma base (só para atender as bases, com o perdão do infame trocadilho), para efetuar cortes nas famosas emendas clientelistas, a rigor significa apenas “não tirar mais de onde já não tem”, “não aumentar conscientemente o buraco”, o que para um purista poderia ser diferente de “gastar menos”, embora as planilhas não sejam sensíveis a esses pormenores. Finalmente, cortar gastos com viagens, diárias, viaturas, reformas de gabinetes etc. é uma postura salutar mas seu efeito corre o risco de causar um tsunami atrás da vírgula.

Algumas medidas podem impressionar. Usar a caneta BIC até o fim para ter direito a uma nova é uma medida impactante. “Mas eu uso uma caneta Cartier” arrisca um dirigente de estatal, conhecido pelo seu apego à mentira, já que até as esculturas de Aleijadinho sabem que ele usa Montblanc; convoca-se uma sessão extraordinária no Parlamento para discutir, a base governista, com seu rolo compressor, prevalece e as canetas Cartier são banidas, exceção feita para os alérgicos a BIC, mencionados num parágrafo único, e nosso dirigente continuará usando sua Montblanc recebida de um fornecedor no Natal... (o que não é proibido é permitido, alegará em sua defesa perante a CPI das Canetas, conseqüência da Operação Tempestade em copo d´água, promovida pela PF). Outro exemplo de economia consiste em usar o elevador somente para subir mais de um andar ou descer mais de dois. É uma fonte de grandes economias, mas entra em cena o Ministério da Saúde, a ANVISA e após muita discussão, (vantagens do esforço aeróbico x perigo de acidentes e custos indenizatórios), cria-se um algoritmo em função da idade do funcionário e do número de degraus indicados para subir ou descer. Cada funcionário comissionado recebe uma tabelinha plastificada (impressa na Gráfica do Senado ou terceirizada), a ser usada junto com o crachá funcional, trocada anualmente – funcionário envelhece, não se esqueçam! – e poderá aproximar o valor da tabela para o número de degraus entre os andares do seu prédio. Em caso de deslocamento em missão, na tabela entra um fator multiplicativo K sempre maior que zero e menor que 1. O processo, aplicado a meio milhão de funcionários – descontados os gastos com a produção da tabelinha resulta numa economia estimada de R$ 194,74. É pouco, mas é de coração.

No reino da escatologia entra a proposta do uso frente e verso do papel higiênico, recomendação resultante de uma interpretação errônea de um relatório da GêVê que, na sua versão inicial, recomendava a redução do número de diretorias no Senado.

No reino da moda, a emenda “Belo Brummel” abole (parece esquisito, mas está correto) o auxílio paletó por um econômico auxílio camiseta, impossibilitando a desculpa “deve estar na repartição a paletó está aqui”.

No reino do anacronismo, entra a ressuscitação (também parece esquisito, mas o Houaiss aceita) do uso de bondes, datada de 1894. Uma comissão interministerial atualiza a resolução com a introdução dos BAV – bondes de alta velocidade.

No reino da fantasia, um economista, vergando sob o peso de seus PHDs, explica que injetar dinheiro no BNDES (desde que vindo de outra galáxia) terá efeito neutro sobre a dívida brutal do País, e, ao incrementar a oferta, acalmará a procura, tornando supérfluas medidas prudenciais, que, como todos sabem, significam sair de guarda-chuva durante um forte aguaceiro.

No reino da marcenaria, surge um decreto secreto: Tornar uniformes os tamanhos das caixas; assim, o significado de caixa dois desaparece. A moralidade sai ganhando.

No reino do folclore, aplicando-se o princípio da retirada do bode da sala, criam-se mais cinco novos ministérios, para, imediatamente, cancelar quatro deles, com economia estimada em dois absurdilhões de rúpias até 2014, integradas, de imediato às reservas do País e transferidas ao Fundo Soberano, que adquire 1 bilhão de barris do pré-sal pelo processo da “sessão dolorosa”.

Um parente distante de Drácon tenta introduzir um sistema de penalidades para os infratores de tão saudáveis práticas. É afastado sumariamente e hesita entre filiar-se ao PSOL, ou fundar um novo Partido.

Enfim, que o desânimo não sirva de pretexto para criar uma CSS (contribuição sem sentido) a fim de, “esgotadas as alternativas”, vitaminar as finanças. Já bastam as “inovações” introduzidas com injeções no BNDES sem efeito líquido mas com consequências sólidas.

Quanto a adiar a Copa do mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, uma comissão especial já iniciou seus estudos. Prazo de entrega do relatório final: Fevereiro de 2018!

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