“...fiquei chocada com o esgoto direto na rua, escoando e empoçando numa praça!” Está repercutindo o fechamento da creche da Estufa, em Ubatuba, SP, cujo prédio teria sido interditado pela prefeitura devido aos problemas de esgoto e outras questões estruturais. E como geralmente acontece nessas situações, a imprensa teve dificuldade em contatar os responsáveis. A população, mesmo sofrendo, teme denunciar e não quer aparecer com medo de retaliações, como se constata neste trecho da reportagem: “Uma mãe [...] preferiu não dar o nome, por receio de não obter uma nova transferência para seu filho”. Mas logo depois de encaminhar a matéria por e-mail, uma outra senhora confirmou a situação que está citada acima. É pena que ainda hoje a visão que se tem da creche é de caráter assistencial, um lugar onde a mulher deixa os filhos para poder trabalhar e que aquilo que é um direito e uma obrigação do estado, ainda seja visto como um favor que se pode conceder se o cidadão for bonzinho e se não reclamar. Hoje (28/01), por feliz coincidência, no Programa Um Salto para o Futuro, na TV BR, duas pesquisadoras abordaram a questão das creches e das mudanças de enfoque. A luta por creches é relativamente recente, a partir do avanço do movimento feminista, na década de 70. Ao disputar o mercado de trabalho e direitos iguais, as mulheres precisavam resolver a questão da guarda dos filhos, problema que ainda persiste. Então, é uma questão da classe pobre que precisa lutar pela sobrevivência e não tem com quem deixar os filhos. É uma questão de assistência social. Mas, à medida que são divulgados as pesquisas sobre desenvolvimento infantil e sobre a importância da variedade e intensidade das interações sociais, a creche começa a ser vista como um importante espaço para a construção das bases do conhecimento mas que exige formação especial dos educadores para compreender suas características e exigências próprias dessa faixa etária. Como membro da CAED – Comissão de Assuntos Educacionais do PT, participei ativamente das discussões para elaboração do FUNDEF – Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – e tínhamos clareza que, apesar de ser um avanço por definir regras, recursos e prioridades na área educacional, não haveria avanços significativos se a educação infantil e a educação de adultos não fossem contempladas com os recursos. Tanto é que houve uma verdadeira avalanche de fechamento de creches e pré-escolas após a institucionalização do FUNDEF. E só não foi maior devido à mobilização, principalmente das mulheres. No entanto, essa institucionalização refletiu o nível de força dos setores progressistas. Com a constituição de 1988, a educação infantil que era um direito da criança mas uma obrigação das famílias, passou também a ser uma obrigação do estado. E a questão dos recursos se tornou tão aguda que acelerou a substituição do FUNDEF pelo FUNDEB, ampliando a área de abrangência para a educação infantil, ensino médio e educação de adultos. No entanto, essa incorporação das creches e educação infantil ainda não foi bem assimilada e compreendia, pois ainda hoje há dúvidas e receios se comprar fraldas e brinquedos pode ser feita com verba da educação. Apesar dessas dificuldades de compreensão, não se pode negar o quanto foi importante essa ampliação do atendimento prevista em lei porque permite à população exigir vagas baseadas em um direito garantido em lei e não como favor. O problema é que se aumentou o número de pessoas e serviços a serem atendidos sem o necessário aumento de recursos monetários para garanti-los. É a velha história do cobertor curto, que quando cobre a cabeça, descobre os pés. Assim, se realmente queremos uma melhor qualidade da educação, é necessário lutar por mais recursos ou por melhor articulação entre os três níveis da federação e a sociedade civil.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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