Seguramente, o BC acertou ao mexer no compulsório. Acerto qualitativo e imprudência quantitativa. É fácil estabelecer um paralelo entre esse tipo de terapia e o tratamento com cortisona. A aplicação pode ser drástica, mas a retirada tem de ser feita aos poucos. Um piloto experiente não enfia o pé no breque quando ao longe aparece uma poça de óleo. O problema é que o presidente do BC não é nem piloto nem médico. Os colegas do CMN, tampouco.

Para quem não tem memória fraca, o BC sob o comando de Armínio Fraga, ministrou duas doses de aumento da Selic antes de passar o bastão, para facilitar a vida do sucessor. A “Equipeconômicatual” deixará um abacaxi ’prudencial’, é bem verdade, a ser descascado não só pelos pretendentes a tomada de empréstimos – adeus, bolha possível, até iminente –, mas também por pessoas físicas e jurídicas que estejam tentando rolar dívidas – adeus sono tranquilo.

As consequências sobre o emprego e a evolução da massa salarial ficam para um próximo capítulo. Com o desaquecimento da demanda, a inflação do “feijãozinho” haverá de recuar. Resta saber a que custo.

Como não houve apenas uma medida, já que além das mexidas no compulsório houve mudanças nas condições de financiamento, poderia parecer que a crítica é geral.

Pelo contrário.

Alterar as condições de concessão de crédito de longo prazo, seja por meio de exigências aos bancos, ou aos tomadores (maior entrada/ limitação de prazos etc.) foram medidas oportunas, evitando problemas futuros. Realmente, financiar um carro em 72 meses com entrada zero e a primeira prestação depois do carnaval (ou coisas do gênero) é uma atitude imprudente.

Não é preciso ser Nouriel Roubini para ficar preocupado com ousadias desse naipe.

No entanto, são medidas que influirão no crédito futuro. Poderá se dizer que dessa maneira diminuirá a demanda de automóveis, as fabricantes de chapas poderão demitir, e a quitanda do Seu Zé poderá perder negócios ao deixar de vender fiado a metalúrgicos demitidos. Verdade. Há motivos de preocupação? Há. Mas foi feita uma escolha e foi escolhido o mal menor.

Já, quando se trata da mexida no compulsório – um anacronismo presente em uma dúzia de países (sabe-se lá por qual motivo os demais abandonaram essa prática, devem estar errados e nós fazemos parte do restrito clube dos que tem razão) – não será afetado o mundo das intenções. Não se trata de desistir da compra da geladeira em 3725 prestações. Com a retirada de recursos, operações em andamento correrão perigo. Os olhares se voltam para as operações que necessitam de rolagem total ou parcial.

“Para agir com prudência é preciso saber escutar” – ensina Sófocles. Só não disse quem deverá ser ouvido.