A velhice traz vários inconvenientes e talvez o pior seja a consciência de que o corpo está definhando, tornando cada vez mais difíceis algumas atividades. Para mim, uma das grandes frustrações é a impossibilidade de subir ao Corcovado de Ubatuba. Quem já subiu até lá, diz que a vista é maravilhosa. No entanto, a velhice também traz alguns ganhos. A certeza de que o tempo se esgota faz com que a gente seja mais seletivo e priorize a ação, não perdendo tempo com aquilo que não vale a pena. A sensação de que o tempo está acabando faz com que a gente tente atingir as metas mais brevemente e pense nas estratégias para conseguir e nas mudanças que essa ação vai proporcionar, para quem e para que. A idade também nos dá uma maior sensação de liberdade, de não mais estar preso a nada, de não ter o rabo preso com ninguém. Não mais temos obrigação de autoafirmação, de parecer ser o melhor porque o próprio corpo mostra que o fim de todos é o pó. A sensação do fim dá uma alegria suave porque nos permite sermos mais autênticos e mais livres. Uma das grandes influências na minha vida foi o cinema, porque ajuda a romper as limitações do espaço e do tempo, permitindo-nos conhecer outros povos, pessoas, lugares e situações. Através da junção da imagem, do texto, da música e dos sons, ao mesmo tempo em que permite um distanciamento e a reflexão porque sabemos que aquilo não é real, atinge-nos unindo razão e sentimento, despertando muitas emoções: de identificação ou de rejeição à valores, pessoas e situações. E é sabido que a formação da nossa personalidade também se faz pela imitação daqueles que consideramos heróis e rejeição àqueles que consideramos bandidos. E me lembro de “Viver”, um dos grandes filmes de Kurosawa. Nele, o personagem Kanji Watanabe, um burocrata que passou anos cuidando de um arquivo da prefeitura de sua cidade, descobre estar com um câncer no estômago. Sentindo o vazio de sua existência, sentindo a solidão de seus dias e avaliando que sua vida de funcionário público em nada contribuíra para a solução dos problemas da população de sua cidade, resolve desengavetar um projeto que prevê a construção de um parque infantil, reivindicado por um grupo de mulheres. Com pressa, já que seus dias estão contados, o servidor quer deixar algo mais do que uma lembrança fugaz. Um parquinho nós já conseguimos, doado pela Elektro e construído pelo Maciel, aqui na Pedreira. No entanto, como não havíamos conseguido uma quadra de esportes, há muito tempo reivindicada pela comunidade, os adolescentes começaram a invadir o parquinho e o jardim da praça que havíamos feito, destruindo quase tudo. Mais tarde, a comunidade conseguiu que um terreno da AMBAPE - Associação de Moradores do Bairro da Pedreira – fosse aterrado permitindo a sua utilização para as atividades esportivas. No entanto, até hoje, a promessa de um alambrado não foi cumprida. Recentemente vi que esse tema – a melhoria da quadra da Pedreira – foi tratado em sessão da Câmara Municipal, portanto, parece que surge uma luz no fim do túnel. Às vezes, quando os problemas se avolumam, a gente se sente impotente. E Ubatuba tem vários e graves problemas: transbordo do lixo, falta de coleta seletiva e de tratamento de esgoto, precaríssimo atendimento da saúde, regularização fundiária, não implementação do Plano Diretor, precário funcionamento dos principais conselhos previstos na legislação e o mais grave de todos: a completa omissão da Câmara Municipal. Para solucionar esses problemas há a necessidade de um grande movimento das forças vivas da cidade. Enquanto a população não se unir para lutar pelos seus direitos e os vários grupos ficarem discutindo picuinhas, não há perspectiva de solução. Mas há sinais de esperanças. A ação da promotoria pública no caso dos Conselhos Tutelares e no caso do desvio de IPTU só ocorreu porque houve pessoas que não se omitiram. É possível que isso seja o começo de um tempo novo. Não sei se terei tempo para ver.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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