Conversa (des)afinada
É conhecida a anedota do bêbado que procura as chaves debaixo de um poste de iluminação porque lá, pelo menos, há luz. Pode não achá-las, mas cumpriu seu dever. No caso da suposta exigência de uma extravagante propina para viabilizar um financiamento do BNDES a uma empresa de energia solar, o resultado da auditoria da CGU é inconclusivo. Constatou o óbvio, nada mais. Descobriu que o BNDES não cometeu irregularidade alguma e agiu, como era de se esperar, com estrita observância dos seus padrões de excelência operacional. Não se poderia imaginar outra coisa dessa entidade. O fato de o BNDES ter rejeitado a concessão do financiamento por falhas técnicas do projeto não soma nada, não prova ter havido ou não fracassadas negociações escandalosas entre a empresa e seu suposto agente facilitador, e muito menos nas dependências do BNDES. Permanecendo no terreno das hipóteses, sem a menor pretensão de poder acusar ou inocentar, é admissível que a empresa – no seu desespero – possa ter recorrido a uma ’intervenção com taxa de sucesso’ – conforme afirmou seu executivo, justamente por saber que o projeto dificilmente passaria pelo crivo técnico? É o que sustenta um representante da empresa. Se o projeto fosse imbatível, para que procurar atalhos escabrosos? No inexistente manual da malandragem, as facilidades são solicitadas ou compradas quando existem dificuldades. A pergunta é: houve essa tentativa? O BNDES agiu corretamente, mas se forem verdadeiras as acusações, haveria a remota e indesejável possibilidade de outro desenlace dessa confusão? Seria imprudente, leviano e até absurdo inferir que o BNDES se deixaria seduzir pela oratória de um filho de ministra, deixando de lado a observância de critérios eminentemente técnicos. As acusações não encontraram sua confirmação – melhor assim – mas tampouco surgiram, desse processo de auditagem, elementos para desmenti-las. O que era de se esperar dessa auditoria da CGU? Encontrar uma ata de reunião do BNDES com o filhinho supostamente trambiqueiro da ministra? Essa hipotética reunião não teria a menor razão de acontecer, já que o suposto pedido de propina não foi acolhido. Se houve reuniões envolvendo o rapaz com a empresa que pleiteava um financiamento, e se ele sugeriu o pagamento da tal “taxa de sucesso” é algo que uma parte afirmou e a outra nega e negará com todas as suas forças até o fim dos tempos. Parece que a exemplo do bêbado, a CGU procurou evidências onde jamais poderia encontrá-las. Caso essa confusão mereça uma investigação, o caminho parece não ser esse.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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