Conversa (des)afinada
Está praticamente concluída a operação de capitalização da Petrobras. Embora fosse melhor esperar seu encerramento, com a eventual colocação de lote adicional se for julgado oportuno, já é possível tecer alguns comentários. Deixar passar alguns dias, decerto seria mais prudente, mas aí o assunto já terá perdido seu glamour. Os números envolvidos são impressionantes. “Absurdilhões” foram canalizados nessa megaoperação. Como “nunca antes”. Poderia parecer que qualquer reparo seria subordinado a algum interesse econômico. Pior. Na retórica inflamada de alguns, todo e qualquer comentário menos apologético seria fruto da paixão política, em nome da qual mentiras teriam sido proferidas em quantidades industriais... como nunca antes! Para início de conversa, para descartar a hipótese de interesse pecuniário, declaro que não tenho ações da Petro, isso a menos que a posse de quotas de um fundinho inexpressivo de ações (que provavelmente tenha acompanhado a subscrição) me torne ’dono’ da ex-futura Petrobrax. Não tenho motivo nenhum para torcer contra a Petro, seja ela bras ou brax. Acho que evoluiu, ao longo do tempo, embora seu lucro não tenha crescido nos últimos anos. Confesso que não me seduz a perspectiva da transformação de um investimento no qual a maior parte é não-governamental em instrumento de política macroeconômica (descasando preços de combustíveis das cotações, praticando uma política de compras subordinada a políticas macro mas nem por isso agradáveis do ponto de vista do interesse do umbigo do acionista – a tia Clarinha, Clotilde, Josefina, o senhor Mobius que achou “abominável” a operação etc). Feche-se o capital e exerçam a política que desejarem, mas que não se exija em igual proporção patriotismo de aposentados e especuladores. Certo? Desde que acompanho a Bolsa, sempre achei estranho ouvir: “ELES” ESTÃO DERRUBANDO... derrubando Kelsons, Moinho Santista, Ceval, Audi, Casa Anglo (que saudade!) etc. Para derrubar, ensinam os doutores, precisa vender muito, desencadear uma onda de vendas por parte das ovelhas, sempre dispostas a serem tosquiadas, para depois recomprar, em geral dessas mesmas ovelhas, recompondo a posição (falo em seres e comportamentos “racionais”). Parece que não há outra forma, né? Respondendo à minha pergunta, há também a venda a descoberto, alugando ações, mas são tiros de dias, de semanas, raramente meses. O tom palanqueiro prevaleceu: especuladores derrubaram ações da Petro, para comprar mais barato. Well, ficou mais barato subscrever também para este governo tão barulhento (gosto muito da palavra francesa tapageur) que até estabeleceu o valor da mercadoria que vendeu à Petro, o famoso valor – numerologicamente atraente – de U$ 8,51/barril. Leio comentários indignados, que se insurgem contra o fato de uma afirmação óbvia quanto a ter havido diluição de minoritários ser uma manobra política da “turma do contra”, esses seres abjetos que urge exterminarmos. Menos indignação, por favor. Houve, diluição sim. Pois bem, os malditos especuladores não param de derrubar. Derrubarão por mais de ano? Ou quem sabe, “eles’ vão puxar para cima, decretando o início da operação tosquia, que funciona nos dois sentidos. Estranho, mas vá lá. Como disse, não tenho esse papel, nem pretendo ter, a não ser que desabe (o que não desejo). Quanto à capitalização, retomo minha ladainha favorita. A operação, numa proporção de 60% foi típica de Banco imobiliário! Foram 5 gigabarris, poderiam ter sido 3 ou 8. Para o governo, no problem. O Tesouro emite papel, engorda o capital da Petro, e vende pelo valor dessa engorda os barris que nem se abalaram com o processo. Continuam impávidos lá longe, a 6000 metros de profundidade a centenas de quilômetros de nossas costas. Temos um consolo: com a escassez futura, a cotação o barril de petróleo engatará uma primeira marcha rumo a 200 USD ou mais. Isso se... a médio prazo a demanda de petróleo como fonte energética ou matéria-prima para a indústria (petro)química não decrescer. Vamos deixar pra lá, não é hora de dimensionar “médio prazo” e definir cenários futuros. Com esse aporte (os 45 bi em grana viva, esqueçamos por enquanto os barris) e com a geração de caixa dos próximos anos não se alcançará o valor de U$ 224B previstos no Plano de Negócios até 2014. Mais uma chamada? No problem, o subsolo está lá! Sarta mais barril! Há um detalhe chato. Se o governo realizar seu sonho de ter 100% do capital, como seria o desejo dos PSOL da vida, poderá vender barris à vontade para a Petro, mas sem os trouxas gananciosos de plantão, de onde sairá o dinheiro para comprar sondas, tíquete restaurante, e pagar o tal adicional de periculosidade para os funcionários lotados na sede? Levantar recursos via empréstimos ficou mais fácil agora, já que o patrimônio líquido aumentou – poderia falar em Matrimônio líquido com o governo, sem causar indignação? Convém lembrar que os credores costumam olhar as duas colunas do balanço e bobagens como a qualidade dos ativos e sua liquidez. Detalhe, tolice... alguns pontinhos a mais nas taxas de juros exigidas do devedor, e não se fala mais nisso. O minoritário, o que compareceu com grana – até se endividou ou vendeu as ações do Banco do Brasil herdadas do tio do Interior – esse não conseguiu acompanhar, se pudesse, a participação do governo não teria evoluído de 40 para 48%. Claro que não houve diluição, houve alteração da participação acionária, o que é completamente diferente! Sem comentários. Notemos, de passagem, que agora sua Excelência o ministro Mantega deixou o pudor de lado e fala que o governo passou de 40% (quando tinha apenas uns 33%) para 48% (quem disse isso foi ele). Nosso bravo ministro, já soma BNDES, PREVI, CEF (sendo que nelas participou de recentes aumentos de capital integralizado com... ações da PETRO). A rigor, dá para falar em moto contínuo, abastecido por reservas de pré-sal. A velha e desgastada peta do barão de Münchausen que pretendia voar puxando para cima a crina de seu cavalo. E não podemos nos esquecer do FSB, nosso Bombril macroeconômico, cuja 1002ª utilidade acaba de ser identificada. Por fim, gostaria de comentar uma frase destacada do artigo de um analista. Caberá à sociedade ficar vigilante para que as riquezas sejam exploradas em benefício da maior parcela possível da população e não apenas para a fortuna de alguns poucos. O mercado de ações é o canal adequado para isso (ou algo assim, não garanto a integral fidedignidade da citação). Para beneficiar a sociedade como um todo, temos os impostos e royalties que a empresa pagará, bem como os percentuais das partilhas. Caso se queira que o mercado de ações seja o canal adequado, teremos que conviver com a figura antipática do acionista: Soros (caso tenha reconsiderado sua atitude e voltado a se posicionar), tia Clarinha, o clube de investimentos Solidários na Fortuna etc. além da União, receberão dividendos e se beneficiarão da valorização das ações. Claro que a União receberá o que lhe for devido em termos de royalties, partilha etc. e distribuirá essa bonança como bem entender. Então, essa recomendação à sociedade, no sentido de ficar vigilante, me parece desprovida de sustentação. Ou o analista imaginou um mercado de ações sem acionistas além do governo? Quem sabe os acionistas seriam apenas os trouxas gananciosos convocados para colocar dinheiro e serem vaiados, pela tal sociedade vigilante, na qualidade de infames especuladores? Resta um triste consolo vindo de Somerset Maugham: Pensando nos atos estúpidos das pessoas, seria melhor se elas falassem mais bobagens e agissem menos!
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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