Conversa (des)afinada
Segundo a mais recente pesquisa da DataFolha, a diferença entre Dilma e Serra é de 8 pontos percentuais, já no IBOPE são 11, por último o Vox Populi chega a 16%, e por enquanto é só. À medida que se aproxima a grande data, a influência das pesquisas sobre as decisões dos eleitores aumentam. As pesquisas não passam de pesquisas – diria o conselheiro Acácio, grande amador de tautologias – algumas compradas, algumas forçadas, outras equivocadas sem más intenções, sem deixar de lado aquelas acertadas. Desqualificar uma pesquisa porque seu resultado não agradou é um expediente ao qual recorrem avestruzes. O que não somos. Quando as pesquisas davam uma vantagem enorme a Serra, não se questionava. Faltavam ainda muitos meses. Seria coerente fazê-lo agora? Em primeiro lugar é importante frisar o seguinte: Quando uma pesquisa afirma que determinado candidato possuía na data da realização da enquete um percentual de X% de intenção de votos, com uma margem de Y% para cima e para baixo, significa que grosso modo, com base no levantamento, caso a pesquisa fosse repetida 20 vezes, em 19 casos surgiria o mesmo resultado. É o famoso 95%. Repetindo: é possível afirmar com 95% de certeza que para o tal candidato(a) há X% de eleitores – com uma margem de erro de Y% –, dispostos a votar nele. (% é diferente de 100.) Como explicar essa considerável variação? Afinal entre o Datafolha e o Sensus, em menos de duas semanas, Dilma subiu uma Marina (com Marina estável) em relação a Serra. Uma explicação possível reside na escolha das amostras. Por definição, a amostra deve “da maneira mais fiel” representar o universo dos eleitores. De forma jocosa: Se a pesquisa fosse feita entre os participantes de uma reunião sindical promovida pela CUT, Dilma teria, muito provavelmente mais de 90% de intenções de voto. Esse exemplo extremo retrata a possibilidade de haver erros. Não se discute aqui a competência, nem a imparcialidade, dos responsáveis pelas pesquisas. É apenas uma tentativa de encontrar uma explicação, sem intenção de polemizar. Brigar com números não é recomendável. Discutir-lhes a consistência, sim. Isso passa pela avaliação da representatividade das amostras escolhidas. Não basta dizer, por exemplo: Foram entrevistados 3000 pessoas em 300 municípios, para dar à pesquisa uma aura de infalibilidade. Outros fatores que também podem explicar as discrepâncias são a atitude do entrevistador, a eventual inibição dos entrevistados, a influência exercida sobre o entrevistado por pesquisas anteriores das quais tenha conhecimento (o famoso efeito avalanche), a divulgação da imagem de determinada candidata (estando sempre ao lado de Lula, quando podia e quando não podia), o efeito recall. A falta de informação dos entrevistados é outro problema, o que explica as diferenças verificadas entre a declaração espontânea e aquela diante de uma lista. E viva o marketing! Não é sem razão que se gastam fortunas, depositadas aqui ou em paraísos fiscais. O tamanho diferente das amostras não é edificante, mesmo porque dobrar o tamanho da amostra não implica em dobrar sua precisão. Em 1936, quando, pela presidência dos EUA concorriam Franklin D. Roosevelt e Alfred Landon, o Literary digest enviou 10 milhões de cartas a assinantes telefônicos, procurando identificar as tendências dos eleitores. Receberam 2.400.000 respostas – que amostra impressionante! –, apontando Landon 56% x Rossevelt 44%. O resultado foi 62% a 38% para Roosevelt. Qual o erro? Em primeiro lugar, a amostra não era representativa – o telefone não era tão difundido – e em segundo, respondeu quem quis. Três quartos dos ‘entrevistados’ se negaram a responder. Voltando à atitude do entrevistado há casos clássicos. O efeito Bradley. Sem entrar em detalhes, é a tendência do entrevistado em declarar um voto que não demonstre preconceito de cor, sexo etc. Tom Bradley concorria à prefeitura de Los Angeles em 1982. Era preto. Para não parecerem racistas vários entrevistados afirmaram que votariam nele, o que não aconteceu. Não temos ainda o caso da fuga do preconceito em relação às mulheres. Ou temos? Efeito Shy Tory. Na Grã-Bretanha, em determinado momento “pegava mal” votar nos conservadores (Tories), razão pela qual, os ‘envergonhados’ declararam sua intenção de votar nos trabalhistas. O veredicto das urnas foi outro. Os institutos de pesquisa “quebraram a cara”, quando indicaram FHC eleito prefeito – deu Jânio, quando deixaram de apontar Luísa Erundina prefeita, quando desconsideraram a possibilidade de Le Pen entrar no segundo turno nas eleições presidenciais francesas, liquidando Jospin, prestigiado então pelo candidato Lula, que se fez presente no seu palanque. E o caso mais famoso, quando da vitória de Truman sobre Dawies, quando havia unanimidade dos institutos de pesquisa indicando este. Ficou famosa a foto de Truman no Day-after brandindo um exemplar do Chicago Tribune, anunciando a vitória do outro, uma bela barriga jornalística. Por fim, é importante considerar o efeito ‘late swing’, a reviravolta tardia, com mudança de última hora do voto, fenômeno que nenhum instituto de pesquisa poderia captar. Moral da história? Nada de salto alto, nada de já perdeu. Os números têm de ser interpretados sem que se crie uma exagerada dependência. Se a regra de três prevalecesse sempre, uma dona de casa apressada, acostumada a fazer um bolo a uma determinada temperatura do forno, poderia estar tentada a dobrar a temperatura para reduzir o tempo à metade. Reduzirá o bolo a cinzas.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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