Conversa (des)afinada
Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão... já dizia Chico Buarque. A entrevista concedida pela candidata Dilma ao Estado permite tirar conclusões definitivas? Dificilmente. Nada de falar em lobo em pele de cordeiro. Trata-se apenas de afirmações que devem ser aceitas, é claro, mas sabendo que nem tudo que ela afirmou se sustenta. Seria tedioso analisar as respostas uma a uma – isso é a tarefa da oposição, que mantém uma postura elegante e omissa. As mentes brilhantes mantém esse recato raramente interrompido por ataques envergonhados. Vale comentar algumas afirmações, cujo embasamento parece frágil. Para início de conversa, o que pretendeu dizer a candidata, ao afirmar: “Não há correlação de forças entre um governo e um partido”. – É uma frase sem sentido, ou então mudou a definição de correlação. Decerto, ela pretendeu afirmar que o programa enviado e substituído, por ser apenas do PT, não deveria assustar ninguém. OK, nada de medo irracional. Quem tem medo do PNDH 3? “Então, quando estou falando que nós não fazemos, é porque nós temos uma prática de não fazer... Em momento algum fizemos qualquer tentativa de censurar, coibir... reclamar de jornalista”. Certo! O episódio Larry Rohter do NY Times jamais aconteceu. Não satisfeita, acrescentou: “Outros não tem a mesma prática. E vocês sabem disso”. Outros, quem? Chávez? Ponto para a ministra. A seguir somos informados que Lula condenou explicitamente as invasões. De uma forma curiosa, usando o boné do MST. Uma condenação altissonante. Seria injusto afirmar que o atual presidente possui um discurso “flexível“, que se modifica em função da platéia à qual se dirige. De qualquer maneira, Lula jamais chegou ao ponto de passar recados para o senhor Stédile que “não tem essa de sair por aí invadindo e achar que vai ser moleza”. “Tenho certeza de que o presidente negociou isso” (a libertação dos presos políticos cubanos)... “O presidente foi uma das pessoas que mais contribuíram, ao criar um clima em relação ao governo cubano, de conversas, de persuasão”. Isso deve ter acontecido de maneira extremamente discreta, pois o que veio até nós, comuns mortais, foi apenas a reprovação da greve de fome de uma vítima da repressão cubana. A candidata não aceitou que se lhe colocassem no colo da campanha papeis que não foram produzidos no “nosso ambiente”. Ela tem razão. Banco de dados não é dossiê. E por não ser ela da Receita, ela tem razão em concluir que está sendo usado um artifício contra sua campanha. Se alguém quebrou o sigilo fiscal do vice do PSDB, que provem. Mas que provem, de preferência, daqui a uns três meses, sem pressa, que é inimiga da perfeição. Ponto. Na parte de economia, Dilma Rousseff apresentou uma argumentação frágil. É o mínimo que se possa dizer. Afirmou que o endividamento caiu porque se fez 3,3% de superávit primário. Ora, o endividamento só cai se houver superávit nominal. A relação dívida/PIB é outra coisa. Ela defendeu o uso dos investimentos do PAC etc. para “fazer” superávit primário. Sem querer contestar, é bom que se diga que aquilo, mais a antecipação de dividendos de estatais etc. foi um artifício contábil, que talvez tenha de se repetir este ano. O fato de desconsiderar desembolsos com motivo ‘nobre’ e antecipar receitas não altera o resultado de uma continha de subtração. Aquilo foi um superávit diferente. Já temos o nominal, o primário e agora, também o diferente. Não devem se tirar os méritos da atual administração. Claro que houve. Um deles é seguir a cartilha herdada e classificada de “maldita”. Segurar radicais do PT não foi pouca coisa. E é importante que isso continue assim, ganhe quem ganhar. Não se falou em “custo Brasil”, mas isso deve ser imputado aos entrevistadores. O déficit em conta corrente, que promete ser um aborrecimento futuro – conseqüência da política atual – tampouco foi assunto. Em suma, foi uma entrevista esclarecedora. Se houve contradições, é porque houve.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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