Conversa (des)afinada
Aproxima-se a hora dos debates. É verdade que, se vingar o modelo das eleições anteriores, teremos de agüentar uma coreografia desprovida de charme. Aquela história: um minuto para a pergunta, candidata D, sua vez: a quem deseja dirigi-la? Ao candidato G, só sobrou esse. (se o número de convidados for ímpar, azar!) Pergunte, então. Segue-se uma pergunta para um ‘nanico’ que está lá por alguma razão democrático-metafísica. De qualquer maneira, só sobrou esse. Candidato G, você tem três minutos para responder. O candidato G aproveita a pergunta sobre a distribuição de renda e mete o pau no Lula (por exemplo), falando gatos e lagartos a respeito do mensalão. A claque petista vaia. Agora, mais um minuto para a réplica e mais um minuto para a tréplica. Nada satisfeita com a resposta, D faz questão de repetir o que a “cola” ensina, trocando a pergunta por uma afirmação. Dirá que o coeficiente de Gini recuou 8% e cairá mais, graças ao PAC, à criação de empregos e ao fortalecimento do comércio exterior com o Gabão. Nem um pouco abalado, o candidato G resolve falar sobre a precariedade dos transportes – estradas esburacadas, operações tapa-buracos etc. O moderador intervém, mas G renova seus ataques. Afinal, ele está lá para garantir seu espaço político, puxar votos para a legenda, eventualmente, conseguir um cargo na nova administração. De qualquer maneira, alfineta: Caiu, né? Uma boa alma revela que quanto menor, melhor, mas a câmera focaliza a sala ou as mãos da candidata M, segurando o púlpito, e a reflexão se perde no éter. Agora, num novo bloco, um jornalista dirige-se ao candidato S e pergunta "qual sua visão a respeito do aproveitamento da energia fotovoltáica no seu possível reinado". O candidato responde, aponta estatísticas, formula promessas. Para comentar, o candidato A, investe contra o desabamento das obras no metrô de São Paulo, conforme combinado com “Eles”. Vaia da torcida do “Nós”. O candidato S insurge-se contra o trololó do interlocutor e faz um apelo para que o nível do debate seja preservado. A candidata D anui, sorridente e reflete em voz alta ser essa a sua maior preocupação. O moderador tenta restabelecer a ordem, mas agora todo mundo conversa com todo mundo e o azedamento do tom parece vingar. A campainha do moderador separa, a custo, os litigantes. Depois de alguns minutos, chega a hora de deixá-los em paz e procurar um filme, levar o Bob para passear, ler um livro, qualquer coisa menos essa chatice, ao cabo da qual, os principais candidatos cantarão vitória e os coadjuvantes sairão com a agradável sensação do dever cumprido. Todos dizendo da própria dedicação ao povo, o qual unido, jamais será vencido - acrescentam num rasgo de originalidade. Há inúmeros problemas que podem e devem ser discutidos em alto nível, mas isso só poderá se dar, deixando apenas “os três tenores”. OK. Um tenor e dois sopranos. Caso contrário se terá uma assembléia de grêmio recreativo, não um debate. Agora, a reflexão final, pela qual haverei de me arrepender, mas quem está na chuva é para se queimar, ensina um filósofo contemporâneo. Dos 135 milhões de eleitores, metade tem o primeiro ciclo/primário/fundamental, seja lá como queiram chamá-lo, incompleto. O que diabo concluirá uma pessoa com dificuldade para desvendar os mistérios da regra de três, diante de afirmações relativas à necessidade de criar incubadoras de empresas, do aumento das linhas de crédito do BNDES com recursos do Tesouro, com a (in)utilidade de se introduzir barreiras cambiais, ou a mudança dos programas assistenciais? Talvez seja essa a causa à qual se devem essas escaramuças às quais temos o privilégio de assistir. Bater no fígado pode ser mais produtivo. (ou ‘de baixaria todos entendemos’). Há um risco, conforme às leis da Física Eleitoral. Não só “a cada ação corresponde uma reação igual e no sentido contrário”, como, nesse particular ’campo de definição’ a reação pode ser maior que a ação, resultando o moto perpétuo das discussões improdutivas. A banalização do debate reduzido a reclamações – procedentes, é claro – relativas ao desrespeito à Lei Eleitoral, acondimentadas com denúncias motivadas pelo desejo de ‘derrubar’ “Eles” é o que no final das contas, fará a cabeça do eleitor e o levará a votar em “Nós”. É triste, mas parece ser assim. Mais importante do que seduzir um eleitor é incutir-lhe o medo pânico quanto ao possível triunfo do “inimigo”. Em política poucas coisas mudam. Napoleão mandou executar o duque de Enghien, para “assustar os Bourbons”, dois séculos atrás. Nem sempre a esperança vence o medo no seu estado puro. Entre FARC, PAC, trem-bala, Confecom, Consenso de Washington, neoliberalismo etc., a cabeça do eleitor médio vira um autêntico punching ball. Diante de promessas, comparações com o governo anterior, ataques à privataria, o reality show do debate tem tudo para ser apenas mais um aborrecimento. Seria desejável encontrar outro tipo de formato, permitindo que cada um dos candidatos apresente num espaço razoável, digamos 10 minutos, por exemplo, as três propostas principais de seu programa, sujeitando-se ao bombardeio dos demais dentro de uma relativa disciplina. Essa é a diferença em relação aos programas gratuitos do segundo turno - doces e soporíferos solilóquios. Duelo de torcidas para o Fla-Flu. Nesse formato, os ataques pessoais, revelações bombásticas, acusações várias e denúncias irrespondíveis perdem espaço. Caso contrário, teremos pouco mais do que o duelo da desinformação.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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