Conversa (des)afinada
“A verdade é a seguinte, não posso deixar de dizer aqui que nos devemos o sucesso disso tudo que estamos comemorando aqui a uma mulher. Na verdade, não poderia falar o nome dela por conta da campanha eleitoral, mas a história a gente não pode esconder por causa da eleição. A verdade é que a companheira Dilma Rousseff assumiu a responsabilidade de fazer esse TAV.” Com essas palavras, NOSSOPRESIDENTE, à maneira de uma criança levada, burlou mais uma vez as regras do jogo. Para melhorar, ao pedir desculpas, citou mais uma vez o nome da sua pupila. Seria engraçado se não fosse sério. Eu não disse o nome, mas aí vai. Algo como a famosa brincadeira de “não diga não”, transformada nesse episódio – como em tantos outros – em "não diga Dilma". Eu disse Dilma, mas sei que não deveria dizer Dilma, portanto, peço desculpas por ter dito Dilma, e acho que, doravante, me comportarei, e não direi mais Dilma, mesmo que tenha vontade de dizer Dilma. Pronto, pronto, oposição raivosa. Não digo mais Dilma e ponto final. Há dois aspectos a serem considerados. O primeiro já foi levantado. Trata-se de uma total falta de respeito à legislação eleitoral. Pode ser que a regra seja tola, mas enquanto existir, é o caso de ser respeitada especialmente por aquele de quem, em tese, se espera o bom exemplo. O segundo não foi mencionado, ou se o foi, não houve destaque. “Devemos o sucesso disso tudo que estamos comemorando aqui a uma mulher.” E qual era o sucesso que estava sendo festejado? A primeira viagem do nosso TAV, nosso TGV, nosso Shinkansen? Por acaso estavam os presentes participando, pelo menos da colocação dos primeiros trilhos, do lançamento de alguma pedra fundamental? Aliás, o lançamento de pedra fundamental bem que poderia ser uma nova modalidade olímpica, na qual teremos chance de sobressair-nos. Nada disso! O grande evento não passava de uma comemoração do lançamento de um edital, que se for atendido, daqui a uns 33 bilhões de reais – já se fala em 50 – permitirá que possamos, em 2017 ou algo assim, viajar a mais de 300 km/h entre Campinas e Rio de Janeiro. Para a Olimpíada será um pouco tarde, para as finanças nacionais, um baque. Para um planejador sério, uma prioridade discutível. O nó financeiro – mero detalhe – poderá ser desatado com uma participação do BNDES – vamos injetar uns 60%, injetamos como ninguém mais na história deste país – com a participação de um ainda inexistente Trembalabrás, com uma grana dos fundos de pensão (já persuadidos do retorno desse investimento dentro dos mais rígidos padrões atuariais) e finalmente com o aporte do consórcio vencedor – algo como uns 20% do total, noblesse oblige. Por enquanto falta definir o traçado, embora os interessados já estejam se movimentando e possivelmente, até o dia do leilão, 16 de dezembro de 2010, poderão dar seus lances. Finalmente, o famoso trem húngaro da década de 70 terá um herdeiro. No fundo, foi lançada uma idéia, cuja gestação levou uns 3 anos. Nem pode ser chamada de nova. Segundo o poeta francês Paul Valery: Um homem sério tem poucas idéias. Um homem de idéias nunca é sério. Vale a pena meditar.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
|