Conversa (des)afinada
Segundo o cômico francês Coluche, o mais difícil para um político é ter suficiente memória para se lembrar do que não deve dizer. No episódio da substituição "a jato" do plano de governo Dilma por uma versão menos assustadora, vale o corolário: É imprescindível arrumar direito a papelada para que não se torne público, antes do tempo, o que se pretende fazer. Se der zebra, alegar total desconhecimento do assunto – afinal, tratava-se apenas de um plano de governo. Diante de eventual repercussão negativa, dizer que se tratava de um mero "banco de dados", definir um aspone qualquer como responsável pelo erro e demiti-lo é a solução. Para quem possui R$ 1.999.999,99 a mudança da papelada não fez diferença alguma. Grande Coluche! Mesmo sem jamais ter ouvido falar no PNDH3, ele dizia: "As ditaduras sabiam fazer-vos falar, os políticos sabem como calar-vos". Dele também essa outra pérola – aplicável somente na França, evidentemente: "Meu pai era funcionário público, minha mãe tampouco trabalhava". Para os funcionários públicos – não todos, apenas com alto QI (quem indicou), na França, naturalmente: “Não se deve dormir de manhã no escritório sob pena de não ter nada que fazer de tarde". Tudo muda e mesmo assim, independentemente da latitude, alguns pensamentos do cômico permanecem válidos. Vejam isso: "Quem se debruça sobre o passado corre o risco de cair no esquecimento". – Essa mania de comparar governos passados pode dar nisso? Veremos. A bem da verdade, o Brasil é um país jovem. Mal completou 8 anos de existência. Sem conhecer as propostas do PV, Coluche foi implacável. "Para que um ecologista seja eleito, basta que as árvores votem". Na França, e somente lá, era possível retratar um político sendo entrevistado: "É só perguntar algo. Como não saberá responder, passa-se à pergunta seguinte". Mesmo porque: "De todos que não têm nada a dizer, os mais agradáveis são aqueles que permanecem calados". Para não abusar da paciência do leitor, aí vai a definição do político-francês, desnecessário frisar: "É aquele que se apropria de algo que alguém não tenha ainda perdido". Isso sem falar nos impostos...
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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