Conversa (des)afinada
O jornalista Celso Ming foi indulgente ao rotular de “trapalhadas na Petrobras” a sequência de eventos que levaram ao adiamento da oferta pública de ações da Petrobras. Sabe-se que em meio a emendas discutíveis ligadas à partilha da futura riqueza, que, de passagem pretendem interferir no mecanismo atual de pagamento de royalties – ano eleitoral é assim mesmo – o Senado aprovou a famosa cessão onerosa na capitalização da Petrobras. Em resumo, a União detentora de algo como um terço do capital da empresa – para os adeptos do rigor, trata-se de 32,13% do capital total e 55,6% do capital votante, o que garante que a Petro é nossa e que nenhum maldito privatista poderá transformá-la numa cadeia de fast-food – fará a cessão onerosa de 5 gigabarris (5 bilhões de barris). O que significa isso? Simplesmente que o aporte da União será feito com dinheiro – por um bom tempo – virtual. Não chega a ser uma variante de “Banco Imobiliário”, mas está no bom caminho. Serão emitidos títulos com os quais será integralizado o quinhão de capital correspondente ao controlador. Ato contínuo, a empresa usará esses títulos para comprar os 5 gigabarris e... os olhares se voltarão para os demais acionistas. No caso deles, não será aceita outra forma de aporte que não seja dinheiro ou money dos estrangeiros prontos a se locupletar com as riquezas pátrias. Ocorre que para realizar seu plano de investimentos para o plano de investimentos 2010-2014 – a bagatela de 224 bi U$ – comprar sondas, plataformas, navios-tanques, edificar as discutíveis refinarias e adquirir outras chaves de fenda, o pagamento terá de se efetuar em dinheiro. É um capricho tolo dos fornecedores e dos empregados, mas é assim. Portanto, para pagar, valerá o dinheiro aportado, a geração de caixa da empresa e um aumento de endividamento. Como se tem mais incógnitas do que equações, surgem dificuldades. A mais óbvia consiste em valorizar os 5 gigabarris. Fala-se em 5,6 ou 7 dólares. Mas qualquer ser humano cuja educação não tenha sido de todo negligenciada percebe que é diferente falar em U$ 25 bi ou 35 bi. Voltando à simplificação inicial do terço, aos demais acionistas caberia aportar algo entre 50 e 75 bilhões de dólares. Para complicar um pouco mais, os gênios que regem os destinos da Petrobras aprovaram em AGE um aumento do capital autorizado de 150 bi de reais. Não é preciso saber demonstrar o teorema de Fermat para perceber que a hipótese ‘alta’ estoura o limite. Custava ter aprovado um aumento de 200 bilhões? Por enquanto, o processo não pode seguir adiante por uma razão simples. É preciso encontrar uma avaliação precisa dos 5 gigabarris. Por enquanto, nem se tem as empresas, donas de expertise que poderão indicar o valor preciso. A ANP convocou uma licitação para escolher a empresa, mas a concorrência foi anulada. A má notícia é que qualquer que seja esse valor, necessariamente terá de ser revisto. Nem se sabe ainda de onde será retirado esse ouro negro, como definir custo? Mas aí serão feitos os ‘necessários ajustes’, explicam os donos do saber. E a tia Josefina que aplicou 5800 reais como fica? O sobrinho que tem MBA explicará depois. Daí, está criado um nó e somente o enrolar dos acontecimentos dirá se a União aumentará ou não sua participação, se o desastre do Golfo do México barateou equipamentos, pelo recuo da demanda, ou os tornou mais caros pelo aumento de exigências de segurança. Será que haverá disponibilidade de recursos dos acionistas – já que a integralização dos minoritários não poderá se dar com tíquetes refeição ou entrega de TVs usadas (mas em bom estado). É claro que essa encrenca poderia ter sido apresentada ao Senado de outra maneira. Já que uma parte da subscrição é feita através do “Banco Imobiliário”, custava ter se estipulado um aporte de, digamos X bilhões de reais, por parte da União, deixando para depois a complexa operação de divisão de um valor conhecido – esses X bilhões – pela cotação do barril para determinar qual o volume em barris dessa cessão onerosa? Para concluir a operação o bom e velho bookbuilding resolveria. Além de cuidar indignação aos avessos à simplicidade, qual teria sido o drama?
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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