Conversa (des)afinada
Uma etapa importante na campanha eleitoral, que já está à toda, é constituída pelos debates. Em tese, eles permitirão àqueles que já se decidiram firmar suas posições e, possivelmente, orientarão os indecisos, ou, ironicamente, os institutos de pesquisa. Acredito na força dos debates. No entanto, o formato adotado nas últimas eleições - ainda que bem melhor do que nada, melhor que a lei Falcão, por exemplo - transforma os candidatos em meros cumpridores de regras; 1 minuto para a pergunta, 3 minutos para responder, 1 minuto para réplica e vamos ao próximo assunto. “Mas eu queria...”. Toca a buzina do moderador. “Seu tempo acabou!” A presença física chega a ser dispensável - virou um videogame. Candidatos bem produzidos, pós-plásticas, com os rostos cobertos por cosméticos, a ponto de um simples sorriso poder desmanchar a densa maquiagem, escravos dos marqueteiros. Apenas isso. Virou chat de Internet com imagens, o que não constitui novidade. Claro que não chega a tanto, reconheço o exagero. O telespectador que conseguir ficar acordado poderá acompanhar as reações dos candidatos. Ah... A agarrou o púlpito=sinal de fraqueza, B mordeu os lábios=sinal de insegurança... C não deu risada=sinal que não entendeu a piada etc. Essas regras idiotas - uso um eufemismo - levam a situações curiosas. Basicamente, servirão para que cada um use seu tempo para proferir bordões, que bem ou mal se encaixem no contexto. De bordões estamos cheios, ou ainda não? “Privataria”, Celso Lafer tirando os sapatos, Evo invadindo as instalações da Petrobras, Lula com o boné do MST (será que tem modelo feminino para esse boné? É unissex? OK.) etc. Com a inclusão dos futuros nuli-votados nos debates - afinal estamos em plena democracia e teoricamente todos os nanicos têm chance de ser o espermatozóide premiado, a situação fica pior ainda. O que Serra/Dilma ou Dilma/Serra - para não trair minhas preferências - tem a perguntar a um garganta de aluguel, a não ser para arrancar a resposta padrão pré-combinada? Bater por tabela? Como na sinuca? É claro que Dilma dirá que Lula foi melhor que FHC. Menoscabar o governo do concorrente é um ‘must’. A resposta óbvia "Eu não sou FHC e você não é Lula" - nenhum deles será um mero ’colocador de aspas’ - terá algum impacto sobre aqueles que hoje vivem melhor ou sobre aqueles que já não se alinharam automaticamente? Como é impossível saber o que Lula teria feito se estivesse presidente na octaetéride fernandista - para citar o deputado Delfim – nem de que FHC teria sido capaz, caso fosse alçado ao poder somente em 2002, na era da bonança mundial, ter-se-á um previsível bate-papo inócuo, com os protagonistas cantando vitória, ao saírem dos estúdios. Hoje exportamos ‘zilhões’, mas até 2008 a demanda estava explodindo... Zezinho, saia da frente da TV, os “homi” falam em explosão. Chi se ne frega, entre os indecisos, se nosso protagonismo no Oriente Médio é ou não oportuno. Quantos dos indecisos sabem onde mora esse Oriente e por qual razão ele é apenas Médio? Ranço ‘zelitista’? Perguntem por aí. Mesmo assim, pegando carona nas afirmações do Nossoguia perguntas como: “Acha mesmo Chávez um democrata?” poderão eventualmente desestabilizar, causar um chilique, caso Dilma não tenha sido treinada para responder secamente que não intervém em assuntos internos tais como a democracia no Irã, Venezuela etc. Mas esse cenário já deve ter sido ensaiado ’trocentas’ vezes. Ou o será. Falar que a economia surfou numa onda de prosperidade, nos 6 primeiros anos de nossa (nova) era leva a alguma coisa? De novo: Chi se ne frega? O frango elegeu FHC, a inclusão das classes D e E empurrarão Dilma. A candidata Dilma dirá que pretende continuar o que já deu certo. Uau! Qual a resposta? Tecnicalidades sobre Copom, dólar subavaliado, taxa de juros, déficit na conta-corrente? Chi se ne frega? Mesmo PHDs não alinhados debatem acaloradamente sem chegar a um acordo. Não estarão debatendo Milton Friedman com J. M. Keynes, com a mediação de J. K. Galbraith. Quanto às multas impostas por violação das regras do jogo, não vale a pena tocar no assunto; haverá o famoso: "Vocês também, saíram da linha e nosso debate de alto nível não poderá descer a essas mesquinharias". Levantar assuntos como mensalão, aloprados etc. é dar prova de falta de assunto. Todos os eleitores interessados já conhecem o assunto e não será a repetição que irá fazê-los mudar suas opções. As respostas já foram dadas - nunca se apurou tanto como agora etc. - e pelo jeito já foram assimiladas. Trocar farpas durante um debate é uma rotina cansativa que nada rende. Novamente, esse papel inglório caberá às gargantas de aluguel. As claques estarão presentes para neutralizar qualquer efeito indesejável. É possível que a contenda já esteja decidida e aí, talvez, já não caberá dizer "Chi se ne frega". Por enquanto, os candidatos afiam as armas e nossa seleção é o assunto. Tirar Elano depois de marcar gol será o tema até o próximo domingo, pelo menos. Aumentaram as chances de cruzarmos com a Espanha. Chi se ne frega do resto?
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
|