Conversa (des)afinada
Toda vez que Nossoguia resolve tornar-se analista de qualquer coisa, emite patacoadas do gênero Napoleão na China, a poluição e a Terra redonda, a "análise" da crise de 29 etc. (Ainda não disse que d. Pedro I foi o filho de d. Pedro zero.) Mesmo assim, essas tolices não aranham o brilho desse "sujeito" (como diria o gentleman da Força) e apontá-las não diminui sua popularidade, fato comprovado. Essa sabedoria de feirante, misturada com seu comportamento à la Chacrinha, pelo contrário, aumentam-lhe o prestígio, junto ao impressionante contingente que o adula. A função sedução x despautérios é monotonamente crescente. Não satisfeito com a torrente de sandices emitidas, ele possui a capacidade de mudar seu discurso em função das plateias. Algo bem no espírito Groucho Marx. (Não canso de repetir isso.) "São esses meus princípios, se não gostarem, tenho outros". Dessa forma, agrada tanto aos movimentos ’sociais’ quanto à FIESP. Com boné do MST, ou com gravata Hermes, coleciona aplausos. Se algo der errado, bradará "Fui traído por aloprados, eu não sabia". Se até Sócrates afirmava saber que nada sabia, Lula, que se lhe ombreia (no mínimo), também poderá dizê-lo. Banhado na grana extorquida – legal ou "caixadoismente" – brinca com a lei eleitoral da qual faz o uso que o comum dos mortais dá ao papel higiênico. O mais engraçado é que, bajulado por seguidores, admiradores ou oportunistas de plantão, Sua Ignorância Excelentíssima acredita deter poderes que acaba conquistando principalmente por força da inépcia da oposição. Redentor do Brasil, pacificador do Universo, gênio de poucas letras, ele não foi derrubado quando mergulhado no escândalo, agora banalizado, do mensalão. Culpados disso os ’rabos-presos’, temerosos que algo semelhante pudesse lhes acontecer. (isso me lembra a atitude pusilânime de Daladier e Chamberlain quando se curvaram ante Hitler. Na ocasião Churchill disse: "Aceitaram a desonra para evitar a guerra, conseguiram a desonra e terão a guerra"). No Exterior, Lula foi visto durante muito tempo como uma curiosidade, o "bon sauvage". Faltou dizerem "meu Deus, isso fala". Mas é dele a caneta que pode assinar a compra dos Rafale o que o torna para Sarkô uma Carla Bruni de barba. Foi dele a decisão de designar a China ’economia de mercado’, motivo de gratidão dos chineses que, em troca, não se cansam de inundar o Brasil com suas mercadorias de quinta. Foi dele a decisão de abandono da dignidade junto aos barulhentos hermanos, o que lhe rendeu se não votos para o tal assento no CS da ONU – no qual dificilmente descansarão suas augustas nádegas – pelo menos discursos favoráveis. Se ele prestigiou aquele presidente do Gabão com nome de ração para cachorros (Bongo), o Itamaraty – caricatura grotesca da casa do barão de Rio Branco – saudou o início de uma nova era. Só se for do paleolítico. Para o eleitorado analfabeto ou quase isso, "nosso Lulinha fez bonito lá fora". Ponto! Bom senso não lhe faltou. Não cedeu ao "PT das cavernas" e fez uma política econômica cujos erros sumiram no contexto de uma conjuntura econômica mundial que até 2008 soprou a favor e permitiu-lhe cunhar o bordão do ’nunca antes’. Faça-se justiça: o Brasil melhorou, ainda que se possa argumentar que a oportunidade única não foi suficientemente explorada. Hoje com os ventos soprando de ladinho, passou a cometer bobagens que só se tornarão visíveis no futuro não tão distante. Sentamos em cima de custosas reservas e vemos a deterioração do perfil de nossas contas. Elas que fiquem de frente, ora! Nesse quadro, não é de se espantar que a candidata que ele paparica esteja cotada para suceder-lhe e dar mais umas voltas no parafuso da aniquilação de nossa democracia em vias de se tornar de opereta. Não viraremos uma Cuba de imediato, mas estaremos dando passos nessa direção se a Dilma emplacar. O que fazer? Está em jogo o futuro dos nossos filhos e netos. Apontar a indigência cultural do Nossoguia surte efeito apenas em cenáculos da ZELITE. E ele se lixa profundamente, assim como despreza as ações tímidas de um Judiciário castrado ou cooptado ou ambas as coisas. Não serão multas ridículas que o impedirão de atirar-se na área pedindo pênalti, já que não há cartão vermelho. Por isso, a preocupação com a lei eleitoral não é diferente da angústia que lhe causa o destino das cinzas de suas cigarrilhas holandesas. Bater em Dilma, no seu passado terrorista, no seu ’banco de dados’, na sua incapacidade de se expressar de maneira articulada é um caminho, mas as gargantas e/ou penas de aluguel que se dispuserem a fazê-lo – já que o Serra não bate com medo de vê-la crescer – terão competência suficiente? Duvido. A "mater PACi" derrotará a "biruta de aeroporto" na sua caminhada para a beatificação. Se o Serra não conseguir virar a Dilma do avesso nos debates – isso não é impossível – nosso destino será apenas o de uma minoria resmungante antes de ser amordaçada, com direito a injusta pecha de reacionários, direitistas, golpistas e quejandos. É isso aí.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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