Conversa (des)afinada
Passeando pela chamada blogosfera, em busca de um bom debate, nem sempre é possível encontrar qualidade. Não raro presenciam-se lamentáveis bate-bocas. Bate-letras seria o mais correto. A princípio, nada faz supor – quando a conversa se trava com um interlocutor desconhecido – que a contagem regressiva do lançamento das agressões verbais já se iniciou. A reação natural, uma vez comprovada o eventual baixo nível de algum desses produtos de mentes obcecadas pelo ódio é sair com uma providencial clicada. É uma defesa óbvia. Isso é fácil quando se lê um diálogo no qual abundam insultos, palavrões e ofensas de toda ordem. Uma vez constatado o padrão, ao notar que o navio afunda, a solução é pular fora, não ficar rezando agarrado à ilusão do milagre da volta do bom-senso, ou pelo menos dos bons modos. Nem sempre o circo pega fogo desde o início, portanto é importante estar atento e, sem esperar alguma volta à cortesia, não desperdiçar a primeira oportunidade de cair fora. A campanha eleitoral que sem ter começado oficialmente, já está a pleno vapor, promete. Em nome da liberdade de expressão são cometidas as piores atrocidades. O debate que supostamente deveria ser um confronto de idéias transforma-se rapidamente em ataques a pessoas que o agressor muitas vezes nem conhece. Esperemos que entre os candidatos isso não vá ocorrer em doses além do suportável. Apostar em debates serenos já seria demais. Se alguém se opuser ao “renascimento” da Telebrás, corre o risco de – ó dó – ser qualificado de estar a serviço da reação (cuja espinha dorsal há de ser quebrada?). Isso num primeiro momento. Caso haja réplica – erro fatal e por isso mesmo, imperdoável – argumentando tratar-se de uma opinião pessoal, baseada em tais e quais dados, a tréplica pode cruzar as fronteiras da civilidade. Ainda há quem sustente que da discussão (civilizada, essa ressalva nem sempre é feita) nasce a luz. Como poderia nascer, se a discussão objetiva transforma-se em brutal adjetivação? Por acaso tentar ou até conseguir intimidar alguém poderá alterar os fatos? Discutir o mérito do PAC, num ambiente polarizado, não passa de uma perda de tempo. Conversar com quem acha tratar-se de um produto de marketing é inútil, já que haverá concordância. Levar o tema junto àqueles que defendem a tese de tratar-se da redenção do País após anos, décadas ou séculos de desgraças é pedir para ser insultado. Pior quando os insultos partem de anônimos. Vamos abandonar por um momento esse tipo de embates, cuja inutilidade salta aos olhos. Nem todos os participantes dos grupos de discussão leram “A arte de ter sempre razão” de Schopenhauer e preferem acreditar que a razão está do lado de quem grita mais alto – no caso da internet, de quem usa caixa alta para se expressar. Não é menos desgastante trocar idéias – supondo que de parte e outra haja idéias para serem trocadas – com pessoas, mal informadas, apesar de abertas a discussões. Quando na discussão deveriam entrar números, situações bizarras podem ocorrer. Vamos comentar, por exemplo, o projeto de abolição da assinatura básica no serviço de telefonia fixa. Sem querer entrar no mérito da questão, é simplesmente desanimador conversar com alguém que defende a supressão, já que as concessionárias têm lucros “fabulosos”. Quanto é fabuloso? É mais que fantástico e menos que colossal? Quanto sobraria dessa fábula se eliminássemos simplesmente aquele valor “irrisório”? Se alguém achar que por fás ou por nefas a solução consiste na supressão, de que serve argumentar? Mais interessante ainda pode ser o debate em torno da capitalização da Petrobras. Admita-se que, por algum milagre, haja unanimidade no grupo quanto a ser a Petrobras a empresa-eixo em torno da qual girará a exploração das riquezas do pré-sal. Chega a hora de falar em números. Como dizia o professor Sardinha (uma caricatura bem-humorada do então ministro da Agricultura, Delfim Netto), num quadro humorístico na época em que Jô Soares era muito engraçado: “Meu negócio são números”. Como discutir esse assunto de “gigabarris” de petróleo e “gigadólares”, quando os participantes não têm noção, pelo menos, da ordem de grandeza dos números envolvidos? O assunto é complicado: o valor dos barris virtuais ainda deverá ser avaliado por consultores, o timing dos investimentos é crítico, as cotações futuras do petróleo são uma incógnita, mas tudo isso parece não ser importante. Discute-se acaloradamente como se fará a distribuição de royalties. Faz sentido? Ideologia não é o território predileto das ciências exatas. Então quando se fala em Plano de Aceleração do Crescimento, sem querer se está invadindo o terreno da Matemática. O tal plano parte da suposição de que há crescimento, ou seja, que a primeira derivada da função PIB(t) – PIB em função do tempo – é positiva. Não adianta complicar, dizendo que identificar a variação do PIB com o crescimento seja uma aproximação pra lá de grosseira. Se em todos os anos o aumento do PIB se der de maneira uniforme, ou se ao longo de um período de alguns anos, for determinada uma taxa média de crescimento, estaremos falando com propriedade de uma evolução de X% a.a.. Trata-se de uma condição necessária, embora não seja suficiente para se falar em crescimento generalizado, por não considerar de que maneira esse aumento de riqueza será distribuído. Mas estamos falando agora em plano de aceleração do crescimento, envolvendo, portanto, a derivada segunda da tal função. Não só o PIB crescerá, mas o fará de forma acelerada, ou seja, a cada ano a taxa de crescimento superará a do ano anterior. Isso não parece sério. Mais sério era ler que o barão de Münchausen conseguiu voar puxando para cima a crina do seu cavalo. Quando após a não conclusão do PAC1, lança-se uma “prateleira de projetos”, rotulada de PAC2, talvez estejamos diante da derivada terceira, por que não? A exemplo do papel, no século passado, atualmente o Power Point ou algum equivalente, aceita tudo. Quem se atrever a discutir poderá descobrir ser um inimigo do povo, um fã do retrocesso, talvez um súdito do Tio Sam - na opinião "objetiva" dos inimigos da greve da fome. Para início de conversa, discutir o quê, exatamente? A qualidade dos antolhos do interlocutor? Como todo lobo em pele de cordeiro, é preciso ficar atento. Colocar uma série de excelentes intenções à qual associam-se valores colossais de dispêndios, sem se ter uma noção clara das fontes de financiamento, sem prazos de execução e chamar essa coleção de propósitos louváveis de Plano, pode dar margem a discussões, mas vale a pena? Em suma, essa tentativa de diálogo não passaria de vana verba dos romanos, palavras vazias, com o risco de cair num desses grupos aos quais me referi instantes atrás.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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