Conversa (des)afinada
Não há dúvida alguma que ainda possa pairar. Diante do grande desafio que o pré-sal representa, a Petrobras precisará de uma capitalização. Dito de outra maneira, precisará de recursos para executar esse gigantesco projeto. Estamos falando em várias dezenas de bilhões de dólares. Mesmo se a presidente do conselho de Administração da estatal tenha trocado, recentemente, ao falar dos investimentos de 2010, U$ 79,5 bi por U$ 85 bi, os números são da ordem de grandeza do PIB de inúmeros países. Por exemplo, em 2007 o PIB boliviano – os hermanos que mostraram a língua à Petro e todos adoraram – era de 40 bi. Existem recursos do BNDES prontos para serem “injetados”, mas além de essas seringadas afetarem o endividamento do País, podendo fazer falta a outras empresas, se bem que a seringa esteja sempre a postos, haverá reflexos sobre o endividamento da nossa Petro: as agências de rating poderão torcer o nariz, e mesmo que a nota não se transforme num vergonhoso XXX+, levantar mais recursos, no futuro, será complicado, no mínimo, mais caro. Após discussões, jorros de saliva, imprecações e negociações, chegou-se a uma solução, que ainda precisará passar pelo crivo do nosso indômito Legislativo. O mecanismo proposto se resume em dar musculatura à perola de nossas empresas da seguinte maneira: A União cede papel de sua emissão à Petrobras. Esses servirão para integralizar o novo capital. Ao receber esses papéis, um contador daqueles com viseira e protetor de mangas, contabilizará o valor recebido na conta capital social. Mal terá tempo de registrar a entrada e precisará consignar a compra de 5 giga barris com esses papéis – podem chamá-los de Títulos do tesouro. Tudo se passa com infinita rapidez e efetuada a manobra, a União tem de volta os papéis – que poderão ser esterilizados ou aumentar a base monetária, a gosto dos sábios que regem nosso destino, e a Petro, é dona dos barris a 5-7 mil metros de profundidade e 300 km da costa. Existe um detalhe nada desprezível: quanto vale um barril desses, para com auxílio de uma sofisticada regra de três se saiba de quanto foi o aporte. Há várias estimativas? Uma consultoria deverá bater o martelo, bastará evitar que seja sobre nossos dedos ávidos de lucro fácil. A não ser que opte por venda futura da pele do urso na floresta, o capital estará inchado, mas que eu saiba, a era do escambo acabou. Pagar sonda com barril não extraído parece pouco ortodoxo. Uma plataforma por 35 mega barris (será assim?)? Os mais de 178 bi, constantes do PAC PEC PIC POC PUC de investimento como ficam? Ficaria incômodo para o valoroso quadro de empregados levarem o “litrinho virtual de petróleo” – virtual porque ainda não extraído, para pagar a conta do Carrefour, por exemplo. Para que tudo corra bem, será preciso de um aporte de dinheiro. Grana viva, só a dos subscritores; BNDES, George Soros, fundos de investimentos de diversos tipos, tia Cleonice com os 30% do FGTS – se ainda não resgatou, tio Alberto que decide entrar na Bolsa, comprando direitos de subscrição, (ou exercendo apenas aqueles a que tem direito), os estrangeiros – aqueles especuladores covardes – de olho rútilo e baba elástica e bovina (diria o grande Nelson) cujo maldito dinheiro valoriza o Real e que ao primeiro sinal de alarme fogem em desabalada correria? Não é pouca coisa. A União possui algo como 55% do capital votante e apenas algo como um terço da totalidade das ações. (Ok, 32,21% se quiserem precisão.) Portanto, voltando à matemática superior, se a União entra com, digamos U$ 40 bi, a plebe ignara deverá contribuir com U$ 80 bi. (duas Bolívias, como se um EVO não nos bastasse). Um gigantesco IPO, o maior da História. Para não tornar esse texto vibrante muito enfadonho, basta arredondar os números: espera-se dos 420.000 acionistas e futuros interessados um valor dessa ordem. Os peritos em divisão logo encontrarão o quanto se espera em aporte per capita. Como há enormes, grandes e pequenos acionistas esse número é irrelevante, razão pela qual nem vale a pena efetuar a operação. Então por que falamos nele? Para encorpar o texto, já que somos remunerados por linha. Existem vários detalhes aborrecidos. Sabendo-se o valor a ser levantado, definir o valor unitário – brincar de book building, diriam os profissionais. Mesmo assim, pode ocorrer que mesmo juntando todos os esforços, não haja U$ 80 bi dando sopa. Nesse caso a União subscreverá. Como? Salte mais barril! Algumas situações engraçadas podem se produzir. O valor poderá ser muito baixo e a tia Cleonice descobrirá que se não subscrever, sofrerá uma cruel diluição, pior do que se o valor for alto e ela não subscrever. Mas esse é um problema dos acionistas. Poderá ser muito alto e novos problemas para a tia Cleonice, que deverá consultar os búzios ou o sobrinho Clóvis que fez GêVÊ. Este dirá que uma vez decidida a investir 5.000 reais, o resto não importa, sinal que precisa estudar um pouco mais. E se aparecerem interessados em investir 150 bi? Para isso existe o book building, o rateio, os CPF de aluguel etc. Não é preciso ser um pessimista de carteirinha para imaginar que dificilmente a valorização passada se repetirá com a mesma grandiosidade. Mas como as incógnitas são inúmeras, quantidade de petróleo recuperável, cotação, partilha da fortuna entre Fundo Soberano II, Estados, e municípios etc. etc., a prudência poderá ser premiada ou castigada, afinal apenas a morte e os impostos estão garantidos.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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