Enquanto meu novo livro de contos, Bucareste, sofre os últimos retoques, sobra tempo para divagar. Não basta divagar? Paciência. Trata-se de um verbo que adoro conjugar. Há dois aspectos envolvidos: o primeiro é o produto ’livro’, o segundo, a sensação que é transmitida. O produto “ livro” é um item comercial como outro qualquer. Vingará ou não, em função de fatores tais como sorte, aceitação, marketing e até qualidade do seu conteúdo etc. Visto sob um prisma diferente, falar em produto comercial pode ser uma heresia. O mais interessante, porém, é o que faz com que alguém o manuseie e, junto com o autor, percorra o caminho da inspiração que lhe deu origem. É a fase mais rica, pois estaremos reinterpretando o texto. São comuns as indagações do gênero: “O que será que ele quis dizer com isso”? Ou, na versão mais pedante: ”Qual a mensagem”? A resposta do leitor não será necessariamente a do autor, pois o livro deixou de lhe pertencer. A obra separa-se do seu criador e passa a ser o campo de recreio do leitor. Às vezes, a resposta salta aos olhos, outras vezes, não só não salta coisíssima nenhuma, mas deixa no ar uma interrogação. Piores são os comentários do gênero: “Essa tal de Ana Karenina devia ter mais cuidado com os trens” ou “Caramba, quem diria que Diadorim era traveco!”. Tramas longas ou curtas, previsíveis ou de final inesperado, toques de humor ou de ternura irão impactar diferentemente os que mergulharem no conteúdo. O mais importante é que a leitura será, com certeza, a melhor maneira de partir em busca de si, viver uma verdade individual, exercer o próprio poder crítico e fazer escolhas. Nesse ponto, inicia-se um verdadeiro diálogo leitor-autor. É muito importante a linguagem empregada pelo autor. Poderá ser empolada, sofisticada, rasteira, ou uma combinação na qual, em proporções variáveis, o indivíduo responsável estará se expressando. Todo escritor, que queira escrever claramente, deve se colocar no lugar dos seus leitores – sentenciou Jean de Le Bruyere. A sentença se choca aparentemente com outro postulado “um escritor escreve para si”. Mas se deseja compartilhar o prazer que teve ao escrever com miríades de leitores, que redija de maneira límpida. Um autor de contos humorísticos não é necessariamente engraçado no seu cotidiano, um poeta romântico pode não ser aquele indivíduo definhando ao ser consumido pela voragem de uma chama cujo nome é um ser amado, existente ou não. Um autor “ousado” não é, necessariamente, um devasso. Quanto às “ousadias”, com o tempo, aquilo que poderia parecer chocante, tempos atrás, pode parecer de uma ingenuidade total para atuais ou futuros leitores. Nada disso é realmente importante. Vale a sensação experimentada ao fechar um livro, melhor ainda se for com a promessa de reler, procurar outras obras do autor que nos cativou, ou como dizem por aí “partir para outra”. Tudo vale a pena se a alma não for pequena. Parece que alguém já disse isso. São considerações gerais e como todas as generalizações, sujeitas a questionamento, pela audaz pretensão da abrangência, mesmo numa quadra política confusa como essa.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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