Conversa (des)afinada
- Qual a sua idade? - Hoje o tempo está nublado! O poder do jornalista não se baseia no direito de perguntar e sim no direito de exigir uma resposta. - Milan Kundera Aparentemente, fazer política é ter respostas a todas as perguntas. Até aí, nihil sub sole novum. Caso a resposta seja incômoda, é melhor responder qualquer coisa, jamais ficar calado. Silêncios fatais foram os de Alckmin quando acusado de, se eleito, privatizar a Petrobras, ou de Gulherme Afif (na campanha de 89) quando acusado por Covas de faltar a muitas sessões parlamentares. O silêncio constrangido equivale a uma derrota. Portanto, a regra é: responder, responder sempre. A boa velha receita dos cursinhos "não deixem questões em branco!". Essa maneira irritante de fugir ao embaraço que uma resposta direta (e correta) poderia proporcionar à imagem que se deseja passar ao público fica ainda mais clara quando se fala em números. Se o número for incômodo, não tem importância, apresente-se outro, mesmo se pertencer a outro campo de definição. Se por acaso, não houver número disponível, jogue-se um conceito qualitativo. Um exemplo hipotético: Por que tal obra custou 150% a mais que o orçado? Resposta: pela primeira vez aquela comunidade carente terá banda larga à sua disposição. Pronto. A ’resposta’ foi dada. Existem casos piores, quando a resposta é uma verdade absoluta que, no entanto, pouco ou nada tem a ver com a pergunta original. Algo como: Qual a inflação prevista para 2010? Resposta: O nível de nossas reservas supera atualmente U$ 240 bi. Os bajuladores chamam isso de "jogo de cintura’. Na entrevista publicada no Estadão o presidente Lula ilustra bem essa suposta arte. Perguntado qual seria a reação à acusação de haverem sido criados mais de 100.000 empregos públicos no seu governo, respondeu: Anote aí um número. Para 191 milhões de brasileiros há apenas 11 funcionários comissionados para cada 100.000 habitantes, quando no Estado de São Paulo há 31 e na Prefeitura 45. Densa neblina. Foi fornecida uma informação, provavelmente correta. Segundo Jean Baudrillard: “A informação pode dizer tudo. Ela possui todas as respostas. Mas são respostas a perguntas que não formulamos”. Ninguém fez referência ao número de funcionários comissionados. A prevalecer a aritmética e a boa velha regra de três, 100.000 funcionários em relação a 191 milhões de habitantes significam algo como 52 funcionários para cada 100.000 habitantes. O público - pelo menos aqueles que se dispõem a fazer contas - fica sem entender nada. São 52 ou 11? Será que nem todos foram comissionados? Será que de cada 52 funcionários públicos apenas 11 são comissionados? Será que essa taxonomia comissionados / não comissionados rege os quocientes no Governo do Estado de São Paulo e da Prefeitura? Não estamos discutindo o teorema de Fermat, por que não usar as mesmas unidades? E, finalmente, a criação dos 100.000 empregos públicos era necessária? Nem vale a pena formular essa pergunta, porque a resposta já está pronta - apesar de nada (ou tudo) dizer, dependendo do lado do guichê no qual se está: "O Brasil precisa de mais educadores, médicos, auditores etc.". Ninguém discutirá a necessidade de haver mais profissionais nessas áreas, mas será que eles representam, ao menos, boa parte desse recrutamento? A armadilha do ’aparelhamento’ foi driblada. Enquanto o público se queda meditabundo, a fila andou. Outras perguntas, outras respostas. Os debates da campanha eleitoral que se aproxima, com aquelas regras insuportáveis, prometem. Paul Samuelson tinha razão ao afirmar que as boas perguntas não se contentam de respostas fáceis. O saudoso Nobel de Economia fazia referência a perguntas e respostas intelectualmente honestas. Em política o caminho mais curto entre dois mandatos é uma "reta sinuosa", pontilhada de preferência. “Tudo isso cansa, tudo isso exaure”, já dizia Machado de Assis.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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