Conversa (des)afinada
Todos conhecem o João-bobo – aquele brinquedo que por mais que seja empurrado, retorna à posição vertical. Voltando a nossas plagas, é impossível não observar a semelhança entre o João-bobo e as sucessivas manobras, para citar as mais recentes: O Confecom, o PNDH3 e o Encontro da cultura, que trazem embutido, debaixo de um palavrório confuso, o desejo de amordaçar a imprensa. Sob o rótulo de "controle social" ou "instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática", fórmulas que em si nada dizem, está o perigo de vermos conquistas democráticas e constitucionais virarem pó. Rejeitadas, retornam sempre sob diferentes roupagens. Não faz sentido um simples dar de ombros. Não estamos à frente de um bricabraque ideológico, embora o excipiente desse veneno pareça inofensivo, e sim, de uma tentativa de burlar a vigilância da sociedade, uma espécie de "vai que um dia dá certo". O desejo de "orientar, fiscalizar e controlar" a mídia já foi explicitado. A ameaça aí está. Essas repetidas tentativas, às vésperas das eleições devem ser neutralizadas. A embalagem não consegue camuflar as intenções que pretende ocultar. Entende-se a pressa em fazer passar essa aberração ainda nesse governo, já que o amanhã pode não ser tão favorável. Para voltar ao PNDH3, é bom lembrar que o seu conteúdo foi apresentado para a assinatura presidencial, após passar por um displicente – na melhor das hipóteses – crivo da Casa Civil, órgão chefiado pela candidata oficial. Por outro lado, na campanha eleitoral – já em pleno andamento, apesar das inevitáveis negativas e da inércia dos órgãos aos quais caberia impedi-la – procura-se criar a sensação de que qualquer outra solução que não seja a escolha da ministra Dilma Rousseff, levará ’esse país’ a um desastre marcado pela perda de conquistas às quais se associa perversamente a indefectível – e consagrada, apesar de geralmente falsa – fórmula: "Nunca antes na nossa história". Obviamente o “nunca antes” é aplicável em diversas situações, por exemplo: Nunca antes na história deste País contamos com mais de 190 milhões de habitantes. Catástrofes inenarráveis estariam a nossa espera: um mar de privatizações engolfando as estatais (e seus quadros dirigentes, de competência variável e orientação política bem definida), o término dos programas assistenciais e... cúmulo da desgraça, o fim do PAC. Tudo isso daria lugar a uma administração pautada pelos mandamentos do tenebroso Consenso de Washington – não importa se poucos sabem o que é o tal Consenso. Um bando de vândalos, perto dos quais os cavaleiros do Apocalipse não passam de inocentes coroinhas, tudo espezinharia. Acena-se com um retrocesso inevitável, a menos que – Heureca! – elejamos a escolhida do Nossopresidente. Michelangelo, se vivo, esculpiria, sem sombra de dúvida, uma nova Pietá. Já imaginaram, a mãe do PAC segurando no colo o filho retardado – porque precoce, com certeza, ele não é – cuja existência, segundo ela, corre sério perigo, caso o pleito presidencial aponte como vencedor "um-que-não-seja-dos-nossos". Espalhar uma imagem distorcida das conseqüências nefastas dos atos de algum preposto de Satanás, ungido pelas urnas parece ser a tônica das mensagens a martelarem as mentes dos eleitores. Falsificar é uma arma que muitas vezes deu certo. Desmistificar é preciso.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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