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COLUNISTA
Rui Grilo
07/01/2010 - 15h03
História? A favor de quem?
 
 

A preservação da história, através de nomes de rodovias, nem sempre é justa e, por vezes, é injusta.

O texto do Elcio Machado, “Ubatuba e as democracias adjetivadas”, especialmente o trecho citado acima, despertou-me o desejo de levantar algumas questões.

As ciências, principalmente as humanas, quase nunca são neutras porque o objeto, o tema que se discute, sempre é olhado do ponto de vista de alguém que tem valores e opiniões. E quase sempre o cientista depende do patrocínio de alguma instituição ou pessoa, ficando sujeito à pressões e diminuição de sua autonomia. Na antiguidade, os pensadores e estudiosos, ou dependiam dos reis, dos aristocratas ou da igreja.

Além disso, o próprio domínio da leitura e da escrita era um privilégio das classes mais abastadas, direito que se tornou uma das bandeiras da Revolução Francesa e dos processos revolucionários posteriores mas que até hoje ainda não foi alcançado em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil.

Assim, a escrita da história foi sendo feita a partir do ponto de vista das classes dominantes. E uma das maneiras dos poderosos se perpetuarem no poder é ganhando corações e mentes, como heróis e vencedores, tornando os seus valores e sua maneira de ver o mundo a forma valorizada e “correta”. Uma das formas de não serem esquecidos é através da representação através de estátuas, pinturas e placas em praças e lugares públicos.

Com o aparecimento de novas tecnologias, como o cinema e a TV, essa dominação ideológica foi ampliada. Um exemplo disso é o grande investimento que o cinema recebeu tanto de Hitler e do nazismo como dos norte-americanos. O próprio Getúlio Vargas, ainda que perseguisse intelectuais como Graciliano Ramos, “permitia” e incentivava a divulgação de marchinhas populares e de caricaturas que o criticavam porque, de certa maneira criava uma proximidade com o povo humanizando o ditador, criando uma imagem de bondade e tolerância.

O aparecimento do gravador e do vídeo e o desenvolvimento dos movimentos populares, possibilitou o desenvolvimento de uma história contada a partir desses protagonistas, daqueles que “carregam o piano” da sociedade. Hoje há documentários produzidos pelos próprios índios, mulheres, sindicatos de trabalhadores e de todos aqueles que não eram contemplados pela história tradicional. No entanto, esses materiais ainda sofrem o boicote das grandes redes de comunicação, circulando apenas em espaços comunitários e acadêmicos.

Eu me lembro que, quando a deputada Irmã Passoni conseguiu aprovar o nome de Santo Dias para uma escola, causou verdadeiro alvoroço e resistência no ato de introdução do retrato do patrono da escola e da inauguração da placa. Hoje há ruas, parques e praças com o nome desse operário que foi assassinado por um policial militar em um piquete diante da fábrica Sylvania, em Santo Amaro.

Hoje, se vivemos em uma democracia e com alguns direitos trabalhistas garantidos, devemos à luta que os operários e trabalhadores desenvolveram para quebrar as amarras da ditadura. No entanto, quando se fala em redemocratização, é relembrado o nome de Ulisses Guimarães e de outras figuras de políticos e intelectuais, mas poucos conhecem os nomes dos operários que foram torturados, presos e assassinados.

E quase ninguém sabe que um dos maiores movimentos de contestação à ditadura, o “Movimento contra a Carestia”, começou a partir dos clubes de mães que se reuniam na periferia de Santo Amaro para tricotar, bordar e falar de seus problemas.


Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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