Conversa (des)afinada
Com os recentes desdobramentos do caso mordaça, é preciso parar para pensar. "Documentos aos quais este jornal teve acesso" – é uma fórmula batida. Cá entre nós, sabemos que os repórteres não são James Bond, Mata Hari, Kim Philby ou equivalentes, não viajam em fundo duplo de malas, não se esgueiram por debaixo de portas fechadas, não penetram clandestinamente nas dependências ’sacro-santas’ da Polícia Federal. Se tiveram acesso, é porque alguém entregou. Uma vez nas mãos dos jornalistas, eles têm o dever de informar a sociedade. Podemos discutir se cabe adjetivar, mas relatar é mandatório. A chaga está um pouco mais arriba, contrariamente ao buraco que fica mais embaixo. O drama fica a montante, não a jusante. Os detentores de documentos, fitas gravadas, DVDs etc., não têm o direito de ’vazar’ – e pior ainda, praticar vazamento seletivo (até editado, por que não, quando se trata de destruir alguém). O editorial de domingo do Estadão fala nisso. Imagens falam por si, mas imagens selecionadas também o fazem e de maneira menos objetiva do que seria desejável. Dito isso, ao Supremo, Extremo, Hiperbárico Tribunal Federal não cabe tolher a informação, muito menos se apegar a filigranas esdrúxulas do tipo que foi usado nesse caso: "O juiz não fez alusão à lei de Imprensa, logo não acolhemos a reclamação". Faltou um instante de reflexão: se o eminente juiz, após emitir a douta sentença achou por bem despachar o abacaxi para o Maranhão, quanto vale a sentença prolatada? Faltou o selo violeta e a firma reconhecida do porteiro? Faltou o despachante! Quando, nos anos 60 o jornal Le Monde se referiu ao Brasil como sendo país de despachantes, o Estadão soltou – com razão - chamas pelas ventas. Agora, está provando do doce veneno. Finalmente, acho – um juízo precipitado, talvez – que o ESTADÃO está adorando posar de mártir. Não custava nada colocar manchetes do tipo: Últimas notícias da operação “Boi obeso”. E dá-lhe receita de suflê de abóbora! Ao invés de enfrentar o absurdo, limitou-se a deplorar um estado de coisas... deplorável! Colecionar opiniões ilustres, criticando a mordaça é muito pouco. * Fico de certa forma recompensado, apesar de não haver nisso nenhuma alegria, ao encontrar a confirmação de posições que assumi no passado. Essa é uma delas: as “indiscrições” levam a becos sem saída! Outras duas foram: IPO e Oba-Oba, quando em 2007, falei sobre a tal bolha que não sai mais do noticiário, retrucaram com a famosa frase: agora tudo é diferente. Pelo jeito... O carry-trade lusitano (com todo o respeito, naturalmente, para os nossos colonizadores). Sabendo que o carry-trade é a operação que consiste em tomar emprestado num país com juros baixos (exemplo típico Japão) para aplicar em países que praticam juros altos (com razoável segurança para o aplicador, perguntem se arriscariam na Argentina! – exemplo Brasil), o carry-trade lusitano consiste em tomar emprestado onde os juros estão altos e aplicar onde estão baixos – e não é que nosso BC faz isso? Esses 250 bi dólares – alguns já derretidos considerando o momento da compra a 2,00 - 2,30 – rendendo a remuneração das T bills ianques e pagando nossa adorável Selic devem dar um belo prejuízo anual. Li AGORA que isso seria da ordem de grandeza de uma Bolsa Família. Who cares? Melhor ainda. Depois de juntar essa montanha de dólares, os nossos hábeis financistas estão fazendo o possível para sabotar o dólar, via operações de comércio exterior sem passar pelas verdinhas. Tiro no pé, ou estou errado? Obra dos três tenores da nossa diplomacia? Seria exagero falar numa herança maldita que esse governo está deixando no plano fiscal? Se o BNDES não precisar para se agüentar de um generoso Botox oficial, estarei errado. Tomara. A mais recente capitalização será de R$ 80 bi, mais de cinco vezes o valor do nosso Fundo Soberano. Este ano, nosso superávit primário, depois de todos os artifícios cosmético-contábeis será algo como 1% do PIB. E daí? Somos contra-cíclicos e ponto final. Para terminar esse desrecalque, não posso deixar de aludir à Mitologia. Todos sabem que Cassandra teve o dom de prever o futuro, com a maldição de não ter credibilidade. Nós temos uma Cassandra ao contrário, pois nosso emérito, preclaro e superlativo Ministro da Fazenda conseguiu errar, e não é de hoje, TODAS as previsões relativas ao PIB. Como não se trata de um débil mental, resta concluir que todas as lorotas ufanistas que produz têm por objetivo a tentativa de criar profecias auto-realizáveis. Agora, diante do mais fácil, ele esqueceu de palpitar. O quarto tri de 2008 foi um desastre, logo crescer em relação àquilo parece razoável, mas misteriosamente o comissário do Povo se cala. Possivelmente, tenha feito as contas e concluído que dificilmente a variação do PIB de 2009 será positiva. Será que a marolinha estragou seu palpitômetro waterproof? Voltando à Mitologia, nessa coletânea de assuntos que se entrechocam, não é possível deixar de mencionar o todo-poderoso Zeus. Nas suas diversas aventuras, a divindade máxima assumia diversas feições: cisne, touro, ou a aparência de Anfitrião, no episódio ao qual devemos o nascimento de Herácles. Em nossa mitologia brasiliense, Zeus assumiu diversas Caras – sem trocadilho, sendo a mais recente a de filho do Brasil, como insistem em nos fazer crer através de custosa produção cinematográfica. Sinal que o Olimpo não lhe bastou. Culto da personalidade? Seguramente não! Ualll, um bom Natal, com o trio - sorte, saúde e sucesso para todos nós.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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