Atenção, caro leitor. Tudo que lerá a seguir se passa no mundo mágico da Internet. Estamos sendo indiscretos, pois, dentro de algumas linhas, estaremos presenciando diálogos na linguagem que parece ser a do futuro. Concessões à ortografia são de praxe assim como algumas manifestações que substituem a entonação de uma conversa normal. Como? Muito simples: acrescentam-se “emoticons” símbolos convencionais, retratando estados de alma. Tudo isso é muito profundo. KKK. Pois é. Trata-se de sonora gargalhada, transmitindo ao interlocutor a hilaridade que acaba de nos acometer. Tudo muito simples, enxuto, moderno e progressista. Quer arriscar um passeio? Encontrará algumas gírias; não se assuste, porém. De qualquer maneira já não entende mesmo a geração teen. E se uma relíquia pertencente a uma outra era terçasse armas com um destemido internauta, o que poderia acontecer? Ele nunca foi micro. Tampouco chegou a ser macro de verdade. Ocupava uma sala enorme e lá permaneceu esquecido durante décadas. Eis que, não mais que de repente a sala foi invadida por seres estranhos. Adeus, tranqüilidade. O nobre ser, mais burro que a minha calculadora agapê, porém mais vivo que um bando de cientistas, acordou “lincadão” numa rede. Com todo o sistema de refrigeração, sentiu ferver nele um entusiasmo juvenil ao se deparar com a realidade de um “chat”, bate-papo na Internet; isso para quem ainda não sabe o que é “chat”. A timidez não lhe dava trégua, no entanto. Registramos o diálogo e cá está ele. Simples, direto e inofensivo: – Oieeeee. De onde tc?* (de onde tecla, ó estranho?) Se não responder, um []! (um abraço, como é fácil!) – Desculpe, talvez deva engolir mais alguns cartões perfurados. Esforço-me debalde. – 100 problema! (sem problema) Kd tu? (cadê tu?) A incompreensão se deve à falta de emoticons? Hummm... – Não consigo decodificar. Eu sou um micro da época da reserva de mercado. Sou um passo rumo à auto-suficiência tecnológica. Vai ver que tinha mais passos para dar e aí fui desligado e colocado junto à sala de um ama-nuense. KKK. Tu 10montas, 100sualmente a todos que cativas. És 1000itar? (Estão acompanhando, leitores aplicados?) – Meu índice de nacionalização é o que de mim se espera. Não consigo entender esses chistes. Seus olhares parecem sinceros. Fico constrangido por parecer-me pertencer à toleima computacional. – Bah! Bem-vindo à Net, amigão.-))) (sorriso) Alegria! Afinal, 20ver. – Sua fala não é de um fidalgo, receio. – Re seio? Seio duas x? Tu és ousado, guri velho!-)) Um beijo iluminado no coração. Vamos te tratar com cuidado. Não queremos que válvula alguma pife. – Agora fui insultado. Não sou do tempo das válvulas. Gostaria de juntar-me aos amigos nesses aprazíveis folguedos. Oh imarcescível tentação! – Calma! Tu és gavião mesmo. Só falta um nick! (nick é um pseudônimo; provavelmente era nickname antes) Depois é só cuidar para não ser clonado. – Um Nicolau? Desculpe, não entendi. Algum lôbrego desvão da minha memória tragou a informação. – MDR (atenção, não se trata de nenhum partido político, apenas comunicando que está “morrendo de rir"). Xapralá. Tu não vais colocar o L@l@u na história RDTR. (Agora é rolando de tanto rir.Com razão, evidentemente!) Mas em mei@ hor@ não haverá mais segredo para ti. – Será? Sinto-me vítima de uma ignóbil e pertinaz mofina. – Vem no reservado. Ké ki é isso? Vamos conversar, vai ser D+. Vamos ao reserlove! Pq não? – Essa fala espaventosa me intimida. Vejo que foram pressurosos ao me acolher, todavia, deixaram caraminholas no meu sistema operacional. – Um bug? Temos solução. Smackkk. (todos já vimos isso em gibis) Assim fica melhor? Malandrão dando uma de santinho. – Para ser sincero, esse par de fios telefônicos causa-me cócegas. Sinto brotar uma paixão serôdia. – Malandro! Não tens corpo, mas tens muito de PC.-;)) (Esse sinal misterioso substitui um sorriso. E faz derreter definitivamente o gelo da comunicação.) – Malandro não, 100vergonha! Ao chat!!! Vamos rodar o mouse, galera! Afinal não sou um gamenho qq. Ao diabo a educação perfunctória KKK. Rapidamente as duas gerações se encontram a bordo de uma linguagem comum. Talvez por causa disso, a famosa ordem da Jarreteira ostentava o “Honni soit qui mal y pense”, não é mesmo, “galera”? Crônica do livro “Mãos Outonais”.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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