Conversa (des)afinada
“Jamais esqueço um rosto, mas no seu caso abrirei uma exceção” – dizia Groucho Marx. Por acaso essa tirada poderia se aplicar a um discurso? Vivemos uma euforia pré-fabricada em função de uma riqueza à qual teremos acesso... um dia. O petróleo da camada pré-sal – tesouro incalculável, tão incalculável que seria tolice avaliar quanto vale - motiva debates acirrados, e não vale a pena discutir, com a urgência requerida pelo Executivo, como se repartirá essa riqueza. Mas a política dita o ritmo do desfile de genialidades e asneiras num bloco heterogêneo. No entanto, algumas das decisões tomadas hoje impactarão o amanhã, razão pela qual é melhor prestar atenção nos discursos e relegar os joguinhos de videogame para um segundo plano. Deixemos de lado a pungente dúvida quanto ao modelo a ser adotado – partilha ou concessão possuem vantagens e desvantagens, a ponto de ser legítima a pergunta: ”Para que passar do outro para o um?”. Segundo as sábias palavras do NOSSOPRESIDENTE – mais uma vez repito meu argumento: se o Canard enchainé pode se referir a De Gaulle como Mongénéral, nosso executivo máximo pode ser designado por essa contração, restando saber se caberia ou não um hífen, assunto quase tão polêmico quanto o marco regulatório do pré-sal! – “seria um grave erro usar no pré-sal o modelo de concessão adotado em 1997”. NOSSOPRESIDENTE está perfeito no seu papel de “exterminador do passado”. Naquela época faltavam recursos. Hoje, parece que não. Que a Petrobras precisara de uma “anabolizada” é obvio. Resta saber como proceder. Num horizonte mais extenso pronuncia-se sem hesitação a palavra mágica trilhão – cifra da ordem de grandeza do nosso PIB. Como esse número é apenas produto de craques da planilha Excel ou assemelhadas, não faz muito sentido contestar, mesmo porque não se trata de desembolso imediato. Vale a pena discutir um pouco as medidas que estão no “forno”. Fala-se na necessidade de capitalizar a Petrobras – e quem sabe alterar um pouco sua composição acionária, já que a União, majoritária nas ações com direito de voto, possui apenas algo como 32,6% da totalidade do capital. Vitaminar a Petro e ver os dividendos correr para burras alheias incomoda a alguns mais do que saber que haverá lucro devido também aos aportes dos possuidores das odiadas burras – alguma com sotaque, outras, sem. Imaginou-se uma engenhosa operação. A União ‘adiantaria’ 5 bilhões de barris de petróleo – uma fração do tesouro submerso – à nossa jóia da coroa. Como vivemos numa economia na qual o escambo não prevalece, sofisticou-se um pouco. Seriam emitidos títulos da dívida correspondendo ao valor desses barris – e ninguém sabe ainda quanto valem, apesar dos chutes que agitaram repórteres municiados por autoridades que melhor teriam feito se mantivessem um pouco de discrição. E assim chegou-se a um valor redondo de 100 bilhões, sem muita convicção, sem muito cuidado nas multiplicações (usaram o valor do dólar - cabo?), mas com bastante oba-oba. Os títulos poderiam se alojar na conta do Exigível a longo prazo, mas – que diferença faz a linha? - poderiam parar na conta Capital. Um dia, ensolarado de preferência, a empresa pagaria com o petróleo extraído – ao preço da emissão dos títulos, nada a ver com o valor de mercado – e a conta fecharia. Azar dos contadores, aos quais caberá explicar à plebe ignorante. Até esse ponto, infelizmente, o tal rating da Petro não melhorará. Assim, a União terá feito sua parte. A Petrobras terá recursos – já que receberá títulos da dívida lastreados em petróleo – leia-se dinheiro. Com isso, resolveu-se o problema do aporte da União. E os outros acionistas? Os cotistas dos fundos FGTS, capitalistas embrionários, mas detestáveis pela sua condição de capitalistas, mesmo se apenas aspirantes, poderão ou não – de acordo com os últimos balões de ensaio, prevalece o não – utilizar seus FGTS na magna operação. Há detalhes bobos, do tipo: e se o que tiverem não bastar? De qualquer maneira, na hipótese do petróleo ser nosso e o FGTS também, dependendo dos gestores do fundo, cuja independência ninguém se atreveria a discutir, a operação poderá ocorrer, desde que haja a “bênção de cima”. Para os demais fundos de investimento, vale um raciocínio semelhante, com a dispensa da bênção, mas a necessidade de grana e detalhes de enquadramento, no caso dos fundos de pensão. Os demais acionistas minoritários – de George Soros à tia Josefina da progressista cidade de Floresta - terão de se virar de uma forma ou de outra. Chegando a esse ponto, é preciso fazer algumas contas, mas desde já aviso que for the sake of simplicity como se diz nos corredores da Wharton, vamos abandonar o rigor. Com bilhão voando para tudo que é lado, falar em algarismos atrás da vírgula é besteira. Se a União capitalizar em 100 bilhões, a plebe ignara deverá comparecer com o dobro, para não ver diluída a participação. Aos mais chatos deixo o cuidado de fazer a conta (100-32,6)/32,6. Detalhe: será preciso dinheiro vivo, não moedas mais ou menos podres – a moda passou e, de qualquer maneira essas fontes secaram em parte. NOSSOPRESIDENTE avisou, não que “vai rolar a festa, vai rolar”, e sim, que se os outros não comparecerem, a União, em nome do povo – tudo para o povo, não é? - subscreverá o aumento de capital. A pergunta besta: com que dinheiro? já tem resposta. “Salta mais um bilhão de barril”. Se todos os minoritários fugirem da raia serão ao todo uns 15 bilhões – um pouco mais que nossas atuais reservas antes de ganharmos o “bilhete premiado”. Como deverão se portar nossos queridos minoritários diante dessa operação que, em princípio poderá significar um total aportado da ordem de grandeza do atual valor de mercado da Petro? Deverão prestar muita atenção – como a coruja da anedota. Uma vez estabelecido o montante da capitalização, deverá ser definido o valor unitário das ações emitidas. Poderá, por exemplo, ser muito superior ao valor de mercado, e se assim for, no caso da desistência da mencionada tia Josefina e de seus colegas, a participação do União crescerá, embora não de maneira tão significativa. Suponha, leitor atento, que se defina uma emissão a 100 reais por ação. Os fracos se vergam, os espertos, que dispunham de grana compram em Bolsa, por menos da metade do valor de subscrição, (eventualmente, as cotações das ações velhas dão um pulo para cima) e, prolfaças, a União toma conta da subscrição inteira diante de uma desistência generalizada. Alguém falou em CVM? Pouco poderá objetar. No caso de lançamento a um preço deprimido – imaginemos 10 reais por ação, florescerá uma intensa negociação de direitos de subscrição. Seu Pedro Bó venderá suas ações, tia Josefina orientada pelo sobrinho que tem Embiei da GêVê fará o mesmo também – e ambos, junto com milhares de pequenininhos correrão para comprar direitos de subscrição. Ocorre que essa movimentação se dará “na margem” uma vez que “parir” 200 bilhões não é tão fácil. Qualquer que seja o preço unitário das ações da emissão secundária, desse IPOzão, o valor a ser levantado continua inalterado. Fundos de pensão estrangeiros (esses mercenários covardes) – como o dos bombeiros de Ohio, dos relojoeiros de Zurique etc. – entrarão e, no frigir dos ovos, a Petrobras ficará até menos brasileira. Trata-se de uma simplificação, uma vez que, depois que foram inventadas as operações de arbitragem, os preços das ações e dos direitos de subscrição tendem a se ajustar. Lembrando que a maior operação de IPO de nossa história foi inferior a 8 bilhões de reais e envolveu dinheiro com sotaque, que dizer de uma operação de 200 bilhões? De onde surgiram os 100 bi do início dessa novela? Ninguém assume a paternidade, razão pela qual é melhor ficar com a piada marxista do Groucho.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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