Conversa (des)afinada
Podemos servir de modelo para o Pensador de Rodin. Uma sucessão de acontecimentos importantes vem marcando nossa fervilhante atualidade. Nem todos os eventos possuem a virtude de encantar-nos. “É do jogo”, diriam filósofos de ocasião, “agruras do cotidiano” aduziriam naturezas voltadas para a contemplação. Isso nos leva a uma frase do pintor Pablo Picasso: “A arte lava a alma da poeira do cotidiano”. Haja arte para tanta poeira! Seria então o caso de adotar uma resignação bovina? Diz Balzac que a resignação é o suicídio cotidiano. Não temos ímpetos suicidas. Ou temos? Então, que tal passar em revista alguns elementos do nosso palpitante dia-a-dia? Nesse momento de costura do Orçamento, fulgura com brilho ímpar nosso fundo soberano. O FSB. Aparentemente é um projeto lunático, produto criado para driblar a burocracia que cerca a execução orçamentária. Não nasceu dinheiro novo, apenas haverá a possibilidade de brincar com as linhas da planilha do Orçamento. De fato, é um fundo sui-generis. Não representa sobra alguma, apenas o retrato da decisão de quem prefere manter uma dívida pela qual paga a taxa Selic e aplicar em projetos de menor retorno. Longe de ser uma panacéia econômica, mais parece um band-aid – soberano – em cima de uma perna-de-pau. Boa sorte a todos nós! Ah sim, cortar despesas de custeio, nem pensar. Depois de havermos nele alocado uns 14 bilhões, eis que ele poderá ser utilizado para embelezar um claudicante superávit primário. Uma prótese contábil. E por que não? Nossos tempos marcados pelo progresso, em proporção jamais vista por estas bandas ensolaradas, onde o sabiá canta de maneira única, urge discutir produtividade. Como por milagre surge um estudo do IPEA, notável centro de excelência, que demonstra haver um aumento de produtividade do nosso funcionalismo. Depois de deplorar o raquitismo do nosso exército de barnabés – precisando com urgência de um substantivo aumento de quadros – o IPEA segue um critério internacional e associa a produtividade ao aumento de gastos. Convenhamos. Não é fácil medir produtividade quando o produto final é papelório – vá lá e-mails – mas tentem convencer um empresário do acerto desse critério. Tentem e saiam correndo. Nada garante que o interlocutor não perca o fleuma. Por falar em produtividade, atendendo a movimentos sociais – leia-se MST, CPT e outras siglas igualmente ilustres, está em elaboração uma revisão dos índices de produtividade rural. O resultado da elevação – pois disso é que se trata – desses índices levará a declarar improdutivas diversas propriedades rurais, abrindo uma nova frente para desapropriações. O que os ministros Stephanes e Cassel entendem disso é secundário. Importa atender os tais ‘movimentos sociais’. Pouco importa se nem todas as terras possuem o mesmo grau de fertilidade, se em função de restrições ambientais alguns lotes não são cultivados ou se há rotação. Importa encontrar um artifício legal para desapropriar. Depois, ninguém irá se lembrar de medir a produtividade das terras ”sob nova e competente – cela va sans dire – gerência”. Não poderia faltar a menção ao pré-sal e ao palanque permanente a ele associado. Trata-se de um “mar de óleo” ainda insuficientemente avaliado, mas que requer a aprovação em regime de urgência constitucional – vale dizer em 90 dias, do seu marco regulatório. Se os experts de reluzente plumagem levaram mais de um ano discutindo, é de se esperar que nosso desmoralizado legislativo resolva todas as dúvidas a toque de caixa. É cedo para concluir se essas mudanças são mais ou menos estatizantes do que a vontade dos nossos amados líderes almejou. Mesmo assim, é possível formular uma pergunta, tola, porém inevitável. Será preciso capitalizar a Petrobras. O volume de investimentos é enorme. Experts de fora, estimaram em 600 bilhões de dólares a conta a ser paga. Naturalmente o amor aos números redondos e o festival de incertezas que cercam o assunto estão por trás dessa avaliação preliminar. Eis que surge um balão de ensaio. A União irá capitalizar a jóia da coroa. Como? Simples: cedendo 5 bilhões de barris de petróleo à Petrobras. Nunca à Petrobrax – abominável achado de tucanos entreguistas e exterminadores do futuro. Como “exterminador do passado”, NOSSOPRESIDENTE está pronto a assumir todos os méritos, como se, por obra e graça de sua gestão, o petróleo se revelou docilmente à nação embasbacada. Pois então, a União emitiria títulos baseados correspondentes aos 5 bilhões de barris – por que não 6,5 bilhões, não se sabe. E a Petrobras devolverá em óleo. Perfeito. Com isso capitaliza-se a Petrobras. Que terá de fazer dinheiro com esses títulos da dívida, pois pagar os fornecedores do restaurante da Diretoria com esses papéis é complicado. Um detalhe ficou em suspenso. A Petrobras – não a Petrobrax, infame manobra privatista – possui outros acionistas. Caso eles não queiram ver diluída sua participação, terão de comparecer com dinheiro, nada de créditos fiscais, e outras bobagens. Nada de usar o FGTS, acrescentou a mãe do PAC, sem ao menos consultar o filho. Se a manobra destinava-se a afugentar George Soros, melhor entrevistar o interessado. E, por ter começado filosoficamente, nada como concluir no mesmo tom. Ademã, que eu vou em frente!
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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