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COLUNISTA
Alexandru Solomon
30/08/2009 - 13h12
O triângulo amoroso
 
 

Alguém — para não poluir o texto, não direi tratar-se do senhor Francis Fukuyama — afirmou que a História da humanidade já registrou a palavra Fim. Como toda afirmação definitiva, incluindo a que pretendo emitir, há motivos de sobra para que seja colocada à sombra de um gigantesco ponto de interrogação. Que as novidades estão ficando escassas, lá isso é verdade. As incontáveis repetições transformaram-nos, em maior ou menor proporção, em plagiários das grandes tragédias e farsas. Sim, leitor intransigente, Antígona não possuía celular, mas para alguma coisa dois milênios serviram. Quem ousaria afirmar que mesmo sem a presença de um palm top, a essência da tragédia mudou?

Ouvimos desde sempre falar em triângulo amoroso e, não se preocupem, não irei causar bocejos reforçando o contingente daqueles que proferem vitupérios a esse respeito. Insinuar que se trata de uma instituição raríssima poderá causar sorrisos irônicos. Talvez isso me valha alguns tapinhas nas costas por parte dos que se julgarem acobertados pelo superlativo acima. Que não sejam pugilistas, ao menos.

Esse arranjo — chamemo-lo assim — pressupõe, na visão que ainda prevalece, a existência de três protagonistas: uma mulher e dois homens — a esposa(E), o marido(M) e o amante(A). Por uma questão de justiça, é preciso mencionar a existência de outro triângulo, uma espécie de recíproca do teorema. Por que haveria apenas a esposa infiel e seus dois homens e não o esposo infiel e duas mulheres: a dele e a hetera? Com a flexibilização dos conceitos, é possível definir outros triângulos e, como se dizia nos tempos de escola, esses casos ficam aí a título de exercício. Deixando a imaginação vagar, é possível chegar a construções mais elaboradas. Não se fala em hexágono amoroso, talvez pelo fato de o excesso de pontos a serem reunidos reduza a puro pó o conceito de amor. Aí chegamos a representações de situações altamente instáveis, mais facilmente encontradas na física nuclear. Um eneágono amoroso, à semelhança de um elemento transuraniano, possui vida brevíssima, geralmente de duração igual ou inferior à do bacanal. A seguir, tudo pode voltar à situação inicial ou, através de cisão, aparecerá uma nova configuração.

Como toda síntese, irá requerer enorme concentração de energia, recuperada eventualmente com o auxílio de um acelerador de libido, seguindo-se desprendimento de calor, lágrimas e eventualmente sangue, nessa ordem. Churchill chegou a identificar o suor entre os resíduos químicos, razão pela qual preferia charutos cubanos.

Voltemos ao triângulo. O mínimo que se possa dizer é tratar-se de uma representação inadequada da infidelidade conjugal. Desde Euclides, aquele dos postulados, talvez até antes dele, os triângulos não passam de três pontos unidos entre si por meio de retas. Pois aí está toda a inadequação da representação do adultério. Um pouco de atenção, lá no fundo! Parem de jogar DOOM! Matéria dada é matéria sabida!

Como afirmar que os três pontos estão interligados? Que exista um traço entre a esposa adúltera e o amante é condição necessária para que o casal titular comente, antes ou depois da visita ao psicanalista: “a que ponto chegamos”. Várias vezes, a expressão em si já substitui a consulta. A economia proporcionada por essa substituição é apenas aparente, uma vez que o “Psi” e o casal estão envolvidos num jogo de soma zero. O que um gasta, o outro recebe — isso num mundo sem impostos.

Esposa e amante estarão reunidos por um traço firme, até que sejam flagrados, até a troca da guarda, ou até que o tédio se instale, o que ocorrer primeiro. Se os percalços solaparem o vínculo ou não, é um assunto a ser analisado numa coluna de fofocas. Este é um trabalho sério.

Entre a esposa e o marido, com certeza, e, aqui estamos falando a respeito dos casais atingidos pelo vírus da infidelidade, o traço existirá apenas para salvar as aparências, ou então, na visão iludida de um deles apenas. O modernismo trouxe a situação na qual ambos sabem nada mais haver, mas preferem não criar rótulos, muito menos conflitos. Para que brigar? Depois com quem ficará o apartamento do Guarujá? A bem da verdade, os dois pontos estarão interligados não por um traço e, sim, por um chifre, com a permissão das almas sensíveis. Observe-se que a solidez do vínculo aumenta. Quem sustentar o contrário nunca experimentou a solidez de um chifre.

Infinitamente mais complexa é a relação entre o amante e o marido. Podem — caso a situação seja aquela retratada pelo cantor Georges Brassens — ser amigos. Dizia o chansonnier, para que eu seja amante da esposa de Fulano, ele deve me agradar também. A canção não se aprofunda nos detalhes da afirmação. Nem sempre “o outro” é o melhor amigo, o colega de empresa, ou o chefe. Sem dispor de estatísticas definitivas, vamos aceitar que muitas vezes eles nem se conhecem. Logo, é mais razoável que os vértices do triângulo representados pelo marido e pelo amante sejam unidos, na melhor das hipóteses, por uma linha pontilhada. Grande observador da alma, Quintana lançou a frase definitiva que define a situação: “Senhora, eu vos amo tanto, que até por vosso marido me dá um certo quebranto.”

Chega-se a uma conclusão um tanto quanto estapafúrdia, cujo melhor retrato seria uma pergunta, que nada tem de socrática. Onde já se viu um triângulo cujos lados são representados por um traço, um chifre e uma linha pontilhada? A exemplo da História, o triângulo amoroso acabou, e há quem diga que jamais existiu.

Crônica do livro “O Desmonte de Vênus”, Editora Totalidade (www.totalidade.com.br).


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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