No verdor dos cinco anos eu queria duas coisas. Um dente de ouro e um casaco de couro, assim mesmo, rimando. Para combinar com cigarros Macedônia. Ou Everest, quando não tinha. Minha avó acertou detalhes com seu José Dentista, estava tudo pronto até minha mãe descobrir e proibir. Deixei crescer a unha do dedinho, vingança maligna. Nem dente de ouro nem casaco de couro, a vida me mostrou cedo que querer nem sempre é poder. Dez anos depois mandei fazer uma calça no Germino. Pestana dupla, bolsos com zíper e boca de sino. Eu era branco, parecia um fantasma, não o Fantasma, herói dos quadrinhos, um abantesma qualquer, espírito errante que assusta quem acredita em fantasmas. Na praia do José Menino eu passava e despertava riso nas barracas. E aí brancão? Tomou banho com Rinso? Lógico que isso só acontecia no primeiro dia das férias, no segundo eu já estava vermelho e no terceiro muito vermelho. Ninguém mais podia me chamar de branquelo. Camarão ou pimentão dava pra entender, eu até tolerava. Num certo dia coloquei minha melhor roupa. A tal calça do Germino, botas de zíper, camisa pólo azul, e perfume Lancaster. Em seguida tomei o bonde Fernando Costa e depois, no Anhangabaú, o ônibus Vila Madalena. Desci na Rua Iguatemi. Tinha uma festa de aniversário no Clube Pinheiros. Caminhei duas quadras e tragicamente parei para xeretar uma discussão. Dois senhores trocavam amabilidades, seus carros tinham colidido, um era hidramático e deixou vazar óleo de câmbio. Enquanto eu bisbilhotava um Karmann Ghia e um Simca passaram velozes. A poça de óleo espalhou-se no ar em milhares de gotículas. Ao cair formaram uma película viscosa que me cobriu de vermelho. Tinha consistência de cobertura de morango. Fiquei imprestável. Apesar do frio tirei a blusa e limpei os cabelos e a calça. A festa acabou sem ter começado. Tomei o ônibus de volta pagando mico, as pessoas me olhavam curiosas. Se alguém me chamasse de camarão ia ter briga. A calça ficou manchada para sempre, nem tingindo de preto deu certo. Permaneceu no guarda roupa por mais de vinte anos, um dia virou pano de chão. Foram resgatados cinco zíperes, todos em bom estado, de latão. Aquela velha calça cinza e não desbotada fazia bem ao meu ego. Eu até me sentia bronzeado.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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