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COLUNISTA
Alexandru Solomon
15/08/2009 - 09h35
Encontro com Shakespeare
 
 
Conversa (des)afinada

Será que, confrontado com nossa atualidade, o bardo de Stratford-upon-Avon diria que há mais coisas entre o Brasil e a América Latina do que sonha nossa vã filosofia? Talvez, perplexo com os discursos proferidos na reunião da Unasul, ele optasse por aguardar o desenrolar da farsa. “Ventos de guerra”, clama Hugo Chávez aos quatro ventos – aí incluso o de guerra. Por trás dessa borrasca está a presença de algumas centenas de militares e civis norte-americanos nas bases cedidas pela Colômbia. Os três tenores de nossa diplomacia: Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e last but not least, o percussionista Marco Aurélio Garcia, sentindo a ameaça às nossas fronteiras manifestaram em degraus variáveis uma contrariedade que em momento algum se fez presente quando das manobras militares conjuntas executadas pela Venezuela e Rússia. Um velho cacoete do qual não conseguem se livrar, nada mais.

“Nunca houve filósofo que tenha suportado uma dor de dente” – segundo Shakespeare. Tudo bem, não somos filósofos, e essa discurseira poderá no máximo causar-nos uma difusa dor de cabeça. Se fosse apenas essa! Geopolítica tem mistérios, como nossa tal aproximação com o falecido ditador do Gabão com nome de ração canina.

No plano interno, eis que o presidente do Senado, livre de todas as acusações – alguém duvidou? – afirma que foi vítima da mídia. Aqui (ainda) não estamos na Venezuela e tampouco as idéias do presidente Correa relativas à limitação da liberdade de imprensa “pegaram”. Observador experiente, Sarney identificou nisso tudo manobras para enfraquecer o presidente Lula. De que maneira ele não explicou. De qualquer forma, Sua Excelência pode ficar tranqüilo. Só será apeado do poder, assim como Macbeth, quando a floresta de Birnam se movimentar.

Apesar de ser tedioso, vale repetir que a imprensa informa. Pode parecer um truísmo, mas talvez seja importante restabelecer um pouco de ordem na confusão. Veicular falsidades sujeita o infrator a diversas penas, razão pela qual censurar, além de desnecessário, é uma atrocidade indesculpável. Em segundo lugar, vale a pena firmar um conceito. Informação é a medida da surpresa – ensinam os manuais. Ou seja, afirmar que depois de oscilar numa direção o pêndulo de Foucault oscilaria no sentido oposto, não traz novidade. Novidade seria se, no caso de um político, após oscilar na direção de um partido, ele oscilaria rumo a um outro, de orientação oposta. São os fatos surpreendentes – positivos ou negativos, se bem que o positivo para a situação pode ser negativo para a oposição ou vice-versa – que devem ser relatados.

Um exemplo de surpresa? A decisão “quase tomada”, a não ser que se trate de um balão de ensaio, de a ANP furar quatro poços para aprimorar nossos conhecimentos a respeito do nosso mar de petróleo. Decerto, todos sabem que não se trata de “batalha naval”. B5! Acertou um submarino! É preciso dispor, além do dinheiro existente, da tal expertise e de meios: sondas, mão de obra etc. Deve ter sido apenas um problema de comunicação, mas trata-se de uma informação. Assim como a declaração do Diretor geral da ANP, Haroldo Lima, de que o pré-sal significa uma reserva de 50 bilhões de barris é uma informação preciosa, embora possa causar espanto a divulgação sem embasamento de tão redonda cifra.

Por enquanto, vivemos festejando nossa auto-suficiência em petróleo, que já comemora mais de dois anos. Curiosamente, a diferença entre o valor das exportações e importações de petróleo continua negativa. No semestre passado foi de US$ 695 mi, informa o Estadão. Naturalmente, há uma explicação: exportamos mais barris do que importamos. Azar se os preços não colaboram. Ficamos como aquela província petrolífera venezuelana, onde a Petrobras teve alguns dissabores: Carabobo – nome predestinado.

E, Carabobo à parte, importamos gás natural da Bolívia amiga e ao mesmo tempo, por alguma fatalidade, queimamos algo como um terço daquilo que importamos, por não poder aproveitar o gás que retiramos por aqui. “Há pecados que desfrutam de certos privilégios” – afirmava Shakespeare. Ou seriam “previlégios”, na palavra do presidente do Senado?


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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