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COLUNISTA
Alexandru Solomon
27/07/2009 - 10h02
O cão alfa
 
 
Conversa (des)afinada

A Internet é uma inesgotável fonte de informações. Resolvi ler um pouco a respeito do “Cão alfa”. Foi-me impossível separar esse conceito de algumas situações do nosso estranho cotidiano. Os cães não acreditam na igualdade social. Vivem em uma hierarquia social conduzida pelo líder da matilha – o cão alfa. Este é geralmente benevolente, afetuoso, e não molesta aos seus subordinados, que o seguem respeitosamente; não há dúvidas em sua mente ou na mente dos seus subordinados que ele é o chefe e faz as regras. Um líder, em suma.

O noticiário recente está repleto de fatos que dão o que pensar.

Não é preciso ter uma memória prodigiosa para lembrarmo-nos do episódio da intervenção rombuda de Evo Morales na “parceria com a Petrobras”. Em nome da preservação de uma sempre contestada liderança no continente, não houve por parte do Itamaraty nenhuma reação.

O Brasil reforça a liquidez argentina, informa o Estadão (24/7 B3). Trocando em miúdos, haverá uma linha de swap de R$ 3,5 bilhões, nosso BC transferirá aos nossos vizinhos essa bagatela. Haverá restrições com relação à conversão dos reais em dólares, que terá de ter o aval do nosso BC. Como será fiscalizado é uma outra história. Se de repente entrarem mais dólares aqui, não se espantem. O nosso BC que trate de evitar a valorização em excesso do Real. O BC argentino terá de devolver – ainda bem que se fala em devolução - em pesos, com remuneração baseada na nossa taxa Selic. Como a Argentina está imune à inflação – medida de maneira, por enquanto, duvidosa, dizem que isso está para mudar – isso serviria para no mínimo ficássemos desconfiados. Será ótimo receber pesos que se desvalorizam a uma taxa superior à Selic. Em termos de generosidade, superamos Hugo Chávez um dos raros compradores dos títulos da dívida argentina.

Naturalmente, tal gesto deveria gerar algum reconhecimento. No entanto, a Argentina não se cansa de erguer barreiras às nossas exportações – bem no espírito dessa ficção chamada MERCOSUL. Com a habitual altivez no trato desses assuntos tediosos, indignamo-nos com moderação. É preciso ajudar os irmãos menores que seguram licenças de importação de produtos brasileiros o tempo suficiente para que produtos sazonais percam mercado. É para defender a indústria argentina... que importa os mesmos produtos da China. Essa estripulia recebe o nome de desvio de comércio.

Samuel Pinheiro Guimarães – um dos nossos chanceleres – afirma inflexivelmente: ”O importante é criar proteção de emprego, mas sem fazer desvio de comércio”. A Casa Rosada deve tremer ante essa posição firme do vizinho do Norte. (nós, não os Estados Unidos). Sofrer se for preciso, retaliar, jamais, parafraseando o marechal Rondon.

No melhor estilo afirmativo de nossa liderança continental, preparamos pequenas modificações no Tratado de Itaipu. Na verdade, procuramos maneira de encontrar alternativas desvantajosas para o Brasil. Dessa forma, pagaremos o triplo do que até agora foi combinado pelas águas paraguaias que fazem girar as turbinas de Itaipu. Um mimo anual de 240 milhões de dólares até 2023. O outro chanceler brasileiro, Marco Aurélio Garcia, tranqüiliza os que porventura ficaram preocupados com a venda do excedente de energia paraguaia no mercado livre. ”Haverá uma solução para evitar o aumento... (do custo)... de energia, não se preocupe”. Faltou dizer que saímos vitoriosos dessa contenda, já que o excedente não será vendido para outros países, como ex-bispo Lugo chegou a ameaçar sem tir-te nem guar-te. Os valores envolvidos não são relevantes se comparados com o PIB brasileiro. É verdade.

Nos idos tempos, a oposição petista teria feito o maior escarcéu, com direito a continhas traduzindo em casas populares o valor de atos generosos como esse. A máquina de calcular foi aposentada. Sinal dos tempos.

Simples mortais têm alguma dificuldade em perceber as sutilezas de nossa geopolítica. Numa análise menos elaborada a analogia com o comportamento do cão alfa se impõe. Lula deseja, custe o que custar, ser o cão alfa da América do Sul. Falta convencer a matilha, que por enquanto corre atrás, sem sombra de submissão, e sim para morder.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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