Nos cursos de Pedagogia e de formação de professores, um dos temas fundamentais era o duplo papel da escola: de transmissão e conservação de valores e de transformação da sociedade. Segundo a visão tradicional, a escola era um espaço em que os adultos têm como objetivo transmitir às crianças os conhecimentos e valores construídos pela humanidade. Em contraposição a essa visão, no início de sua carreira, Florestan Fernandes fez um belíssimo e saboroso estudo chamado “As Trocinhas do Bom Retiro” em que ele mostra que, devido a sua grande capacidade de adaptação e de aquisição de conhecimentos, as crianças é que “educavam” os judeus adultos, os quais tinham muitas dificuldades de adaptação a uma cultura tão diferente daquela de origem. O mesmo, provavelmente aconteça com os imigrantes de outras origens, especialmente aqueles de cultura muito diversa da brasileira. Ao chegarem ao Brasil, as crianças judias logo começavam a participar das “trocinhas”, grupos de crianças que se uniam na rua para brincar, num sentido aproximado ao que chamamos hoje de tribo, galera, posse e que, eventualmente disputavam o território com grupos de ruas vizinhas. Nessa relação, aprendiam e criavam uma cultura própria de jogos, de linguagem, de regras e de valores. Ao mesmo tempo, rapidamente absorviam a linguagem e a cultura brasileira. Assim, para os adultos serviam de tradutores e mediadores entre a nova cultura e a cultura de origem. Hoje, parece que acontece o mesmo com as inovações tecnológicas. Nascidos e imersos nesse mundo, as crianças e jovens rapidamente dominam o seu uso enquanto os adultos demoram a absorvê-las. É muito comum nas escolas, o professor se valer do auxílio dos alunos para instalação e manuseio de microfones, aparelhos de DVD, computadores e datashows. Também é comum crianças, a partir de dois anos, já utilizarem linguagem dessas tecnologias. Minha neta de dois anos e meio, quando quer assistir seus filmes já liga e insere o DVD sozinha. Em seguida pede: “Vô, aperta o play.” Ciente da força de persuasão de crianças e adolescentes, para os quais não há a percepção da dificuldade de conseguir o dinheiro necessário para garantir o consumo, a propaganda centra a sua força para atingir esses consumidores pois serão fortes aliados em demolir a barreira que os adultos colocam com o objetivo de limitar o consumo e controlar o orçamento doméstico. Será que os adultos conseguirão transmitir às novas gerações a necessidade de manter valores e regras necessárias para a convivência social e para a continuidade dos recursos naturais? Ou será que as escolas e movimentos sociais conseguirão formar as novas gerações de maneira que elas introduzam no mundo adulto novos hábitos, valores e padrões necessários para os novos tempos? Na junção dessas duas hipóteses é que trabalha o Instituto Alana, ao reunir um grupo significativo de pesquisadores de várias áreas do conhecimento para construir uma reflexão que leve a uma nova postura que leve em conta não só o lucro mas a uma ética das relações sociais, influenciando para um novo ordenamento legal e para o cumprimento da legislação vigente no que se refere aos direitos de todos os cidadãos. Ao mesmo tempo, investe em projetos com crianças e adolescentes, de maneira que façam uso de seu protagonismo para a transformação através dos novos recursos: produção de filmes de curta metragem, shows de música e dança, internet e outros. Para ter uma idéia do trabalho entre no site Projeto Criança e Consumo.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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