Conversa (des)afinada
Diante da queda da arrecadação, e diante da manutenção e aumento já programado das despesas de custeio - a futura herança maldita - os sábios gerentes de nossa política fiscal precisam encontrar uma solução criativa. Não há exagero em falar numa farsa orçamentária. Ela consiste em pintar de verde-musgo as notas destinadas a pagar contas do PAC, em verde - claro, as do PPI. Essas duas cores ignoradas, porque assim é o desejo dos nossos guias luminosos. Esse daltonismo de ocasião sobrepuja a vã ciência contábil. Pintaremos em rosa - real futuro, o dinheiro destinado a cobrir os compromissos remanescentes. Subtraindo do produto da derrama os reais cor de rosa, o futuro adotará a mesma cor... ou não. É melhor acordar logo. Isso pode nos levar a um buraco de cor incerta que já se desenha lá na frente, atrás do biombo imperial que encobre o glorioso Fundo Soberano. A realidade é menos romântica, sem por isso ser neoliberal. Dívida diminui - em termos absolutos - com superávit nominal positivo. Certo ministro Guido? O quociente dívida/PIB até pode se portar de maneira fidalga por um tempo caso haja superávit primário positivo e/ou crescimento vertiginoso do PIB, mas pelo andar da carruagem imperial, é provável que seja necessário aumentar o endividamento. Como emitir moeda é deselegante, a União, orgulhosamente, de cabeça erguida e peito estufado, captará recursos, ou seja, aumentará a tal dívida. Aí, aquela profusão de siglas estranhas de 3 ou 4 letras - ganha um doce quem adivinhar de quem se trata - se mobilizarão para exigir explicações, auditoria da dívida, dirão que em nome da soberania a dívida não deverá ser paga para saciar o apetite dos banqueiros etc. Filme chato e já visto em preto e branco e Technicolor. Desta vez poderá ser em Lulocollor.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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