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COLUNISTA
Alexandru Solomon
22/05/2009 - 11h01
O Legislativo, esse injustiçado
 
 

Segundo Montesquieu, quanto mais o Parlamento delibera a respeito das ordens do Príncipe, melhor lhe obedecerá. Visto sob esse prisma, deliberar é sobretudo um ato patriótico.

O Legislativo é fundamental em qualquer democracia. Pode não ser condição suficiente, mas é necessária. Desvirtuamento há no Brasil e alhures. Isso não significa que haveremos de reverenciar distorções gritantes. A pretexto de que em outros países haja até cadeiradas em sessões mais acaloradas, não faz sentido imitar justamente esse aspecto. A troca de impropérios até se justifica, especialmente quando os mimos prodigados por ambas as ’excelências’ fazem sentido. No caso não haveria injúria, apenas revelação de alguma verdade, ou reafirmação do óbvio. Portanto, ’excelências’, não se reprimam, afinal, palavrões existem para serem usados e educação pode ser interpretada como pusilanimidade. Queremos machos (de ambos os sexos) na arena. Injusto foi Francis Bacon ao dizer que há saltimbancos nas praças dos vilarejos e no parlamento. Quem pensa que falarei na moral, benefícios absurdos e malefícios decorrentes pode retirar o eqüino das precipitações.

Assaz estranha é a coincidência entre o cronograma escolar e o da ilustre casa legiferante. De fato, dirão alguns, a descrição das funções, o tal ’job description, tão presente nas rotinas ISO, não diz que as ’excelências’ devam seguir a rotina dos mortais. Para elas há uma adaptação reduzida da semana inglesa, em geral com exclusão das segundas e sextas-feiras. Por uma questão de isonomia, o sábado e domingo, como os de qualquer mortal empregado, serão dedicados ao repouso. Dizer que há mais dias ociosos do que ativos seria de uma injustiça clamorosa. Nossos representantes não podem ser comparados a trabalhadores comuns. Até quando dormem, durante aborrecidas sessões, o fazem pensando no rebanho distante, que na oportunidade, recebe o nome de ’bases’. Não é preciso entender de beisebol – analogia politicamente correta, por ser o beisebol esporte popular tanto em Cuba, quanto nos USA – para que salte aos olhos a importância das bases. É necessário entender que as ’excelências’ não precisam copiar Carlitos e sua rotina extenuante do filme Tempos Modernos. Bill Gates tampouco fica assinando moções continuamente. Medir a atividade parlamentar pelos padrões utilizados na avaliação dos trabalhos braçais seria um lastimável equívoco. Taylor e Fayol saberiam adaptar suas teorias de administração científica ao campo complexo e desafiador da labuta parlamentar. Em resumo, férias ou recessos fazem todo o sentido, mesmo se, somados com o ’ócio criativo’ das extremidades da semana, privam a nação de metade do tempo que as ’excelências’ lhe devem. Com certeza esses luminares devem raciocinar como na boutade de Clemenceau. ’Na política sucedemos a imbecis e somos substituídos por incapazes’. E, se por acaso for o contrário, isso pouco ou nada altera a forma de agir desses seres superiores.

É quase impossível aquilatar o prodigioso esforço das ’excelências’, quando patrioticamente atendem a convocações extraordinárias – desnecessárias, dirão os maldosos, se houvessem trabalhado nos momentos em que deles se esperava exatamente isso – e nobremente discutem se devem ou não serem remunerados pelas horas-extras. Sim, nesse momento, há a tendência de equiparar o trabalho deles ao do vulgo. Flexibilidade é isso. Se alguém imagina que falarei das horas-extras pagas no período de férias é mal me conhecer. O universo de inúmeras diretorias é por demais complexo para caber numa simples análise. A FGV acaba de contá-las, mas cometeu o erro gravíssimo de não especificar o instante preciso. A cada minuto, uma nova – e indispensável – diretoria pode surgir.

Finalmente, e ainda com todo o respeito, merece a mais profunda reverência a coreografia parlamentar. É claro que a patuléia, a plebe ignara, a chusma inculta não pode apreciá-la devidamente. Não deixa de ser encantadora toda a mise-en-scène. Uma questão de ordem, e tudo pára, apenas respirações entrecortadas pela emoção mal se ouvem. Um pedido de verificação de quorum continua algo essencial na era da internet. Imaginem pensar que haja 400 presentes quando apenas 50 abrilhantam o ambiente com seu inestimável comparecimento físico. Salvo engano, até o momento, ninguém entrou com questão de ordem para verificar presenças virtuais, que alguns solos de piano notabilizaram. Pena.

E a produção? Que coisa magnífica. Além daquilo que imaginávamos, nascem substitutivos, emendas aglutinativas, PECs, emendas paralelas – nunca perpendiculares. Existe o ritmo adequado para todos os procedimentos, condicionado por detalhes retaliatórios, interesses paroquiais, demonstrações de força... Essa cadência depende de tudo, até, acidentalmente, dos interesses da nação. Os grupos alinham-se, medem forças, trocam farpas negociam adesões, ocultam deserções e, aos quatro ventos declaram afeto irrestrito ao povo. Nesses momentos entra o savoir-faire dos experientes que podem transformar uma sessão numa corrida de cem metros rasos ou numa demonstração de câmara lenta (sem trocadilho). Mas, isso ocorre em todos os lugares, não há motivos de stress.

Meus caros, é isso, mas sem eles é pior.

Sobrava razão a Raymond Aron quando disse: A escolha na política não é entre o bem e o mal mas entre o preferível e o detestável. Nem tudo está perdido, afinal, restam o voto consciente e Papai Noel sempre de plantão.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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