O filme indiano que arrebatou algumas estatuetas do Oscar, além de divertir provoca em nós algumas reflexões. Como um favelado pode saber ou vencer um concurso que pessoas de nível mais elevado não conseguiram? Essa é a questão que se faz o apresentador de um programa de perguntas e respostas do tipo do conhecido “O Céu é o Limite”. E a cada questão vamos vendo um trecho da vida de Jamal, o herói do filme. E vemos o quanto de força e de garra é necessária a uma criança do terceiro mundo para sobreviver. Vemos também o quanto o conhecimento é relativo e a impossibilidade de se conhecer tudo, especialmente quando esse conhecimento é relevante apenas naquela situação de concurso mas que realmente não acrescenta nada para quem não se interessa por determinado assunto. Qual é a importância de saber que a filha da Xuxa se chama Sasha e qual o jogador que marcou o gol da vitória em determinada partida. Para a Xuxa, deve haver alguma razão para escolher esse nome; para o jogador, esse fato pode ter uma importância extraordinária, mas para mim, nenhuma. Para todo mundo que assistia o programa, milhares de miseráveis como ele, era como se estivessem realizando um sonho: sair da miséria. No entanto, para ele, não era isso que estava em questão. Para ele, estar no programa era a possibilidade de encontrar quem havia perdido e salvá-la da exploração e da morte a cada dia. Vemos a transformação do espaço e as novas formas de dominação. Onde era a favela, agora são edifícios que abrigam narcotraficantes e exploradores da prostituição infanto-juvenil. Mas também vemos a força de vontade e o aproveitamento de cada oportunidade que a vida nos oferece. A luta pela sobrevivência aguça a perspicácia que o leva a perceber o fim que teria se continuasse junto aqueles que “ensinavam poesia”. Comparando-o com “Cidade de Deus”, em ambos aparece a violência a que crianças e adultos são submetidos. No entanto, o filme brasileiro é muito mais amargo e sem perspectiva de futuro, pois se vislumbra saída apenas ao menino que fotografa. No filme indiano, mesmo com as marcas terríveis da violência, o futuro será trilhado a dois, ainda que sob o cadáver do irmão. A realidade é tão dura, que em certos momentos chega a ser cômica, como a cena em que consegue o autógrafo porque consegue a passagem até o artista porque está todo sujo de merda e todos se afastam. Mergulhar na latrina era a única chance de escapar da peça que o outro menino lhe pregara como vingança por ter perdido o cliente do banheiro. Da sua experiência de vida e de sua leitura dos fatos e do mundo que o rodeia é que ele tira o conhecimento para interagir em novas situações, revelando a sua grande adaptação mas sem perder de vista o seu objetivo maior. Não só a conquista da própria liberdade mas também a libertação da amiga de infância.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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