Noite confusa esta última. Eu estava sonhando com o Hotel Le Grau du Roi, situado à beira de um canal que atravessa Aigues-Mortes, cidade cercada de muralhas em direção ao mar. No sonho eu viajava de bicicleta pela estrada branca que ladeia o canal quando um som mais ou menos assim: yam, yam, yam... me colocou em semi-vigília. Estou dormindo ou acordado? Eu sou eu ou sou outra pessoa? Perguntas foram surgindo em cascata em minha cabeça enevoada. Ao fundo yam, yam, yam... Reconheci o quarto, era a minha casa, definitivamente eu estava voltando ao mundo da realidade. Ou pensei que estava, a vida me parece real, principalmente quando ao fundo um alarido ponteado por yams, yams, yams começa a me irritar. Quero dormir, voltar aos canais, pensei com meus botões, embora eu nunca durma com peças de vestuário que tenham botões, pode ser perigoso. Yam, yam, yam... Desta vez foi demais. Peguei a lanterna de CSI, o canivete suíço e saí em busca do alarido. Disposto a tudo. O que eu vi é quase inacreditável, embora eu possa jurar pela vida da mãe de meus leitores que é verdade. Estava acontecendo um leilão no meu jardim. Concorridíssimo. O leiloeiro era um gambá loiro, já meio velho, encanecido, mas muito elegante. Logo descobri que yam, yam, yam significa quem dá mais em gambazês. Pela movimentação da platéia deu para notar que o evento estava no fim. Enquanto a vitrola emitia sons de Bienvenido Granda as últimas peças a serem leiloadas eram apreciadas por gambás de todas as idades e cores. Cheguei perto, que surpresa! Os objetos do desejo eram caramujos, desses que infestaram Ubatuba e agora estão desaparecendo. Bem feito, viraram sushi de gambá. Alguns os preferem vivos, com shoio, dizem que o sabor é inigualável, melhor do que fígado de tartaruga. Sou conservador, ninguém vai me fazer desistir de canja de pingüim. Voltei a dormir, o sonho continuou pelo canal afora, da outra margem uma bromélia me acenou, juro que acenou, acreditem leitores, há bromélias que acenam para mim. O que será isso? Um psicanalista, preciso de um psicanalista. Urgente.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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