Comecei a desconfiar do destino quando vi o comentário estranho em meu blog. Não tinha nada a ver com o texto onde fora postado e se bem me lembro não tinha nada a ver com nada. Lembrava filme de espionagem. Obviamente não publiquei. “Doutor Clementino trinta. Venha na sexta-feira 13”. Olhei o calendário, não havia sexta-feira 13 no mês. Dias depois lá estava a mensagem novamente. Tornei a apagar, mas fiquei curioso, um código talvez. Na terceira oportunidade compreendi que o comentário não era para ser publicado, fora endereçado a mim. Quando começou junho a mensagem surgiu com detalhes. “Sexta-feira 13 às 14:30h. Doutor Clementino trinta. É de seu interesse, não deixe de ir.” O endereço me remeteu a um edifício de quatro andares em uma rua do Belenzinho, bairro antigo de São Paulo. Por precaução fui verificar o local no dia 12. Confesso que me senti ansioso. O que seria, ou melhor, o que alguém iria querer comigo, pacato escritor de província quase inédito. No dia 13 logo cedo a mensagem chegou clara e cristalina. “É hoje, não falte”. Meu coração pulou dentro do peito, me senti parte de uma conspiração, quem sabe eu seria recrutado pelo SNI. Bobagem, para que o SNI iria querer um escritor de província quase inédito? Na hora marcada eu estava lá, cheguei na verdade quinze minutos antes. Exatamente às 14:30h um carro preto com os vidros pretos, guiado por um motorista negro passou pelo local. Alarme falso. Instantes depois um motoboy estacionou e perguntou meu nome. Assim que eu disse quem era ele me deu um envelope pardo e volumoso. Em seguida acelerou a moto e sumiu rua acima deixando no ar o cheiro característico de motor dois tempos descarburado. Esperei alguns instantes e para despistar seguidores tomei um ônibus. Fui parar no bairro dos Pimentas onde tomei outro ônibus até Mogi das Cruzes e de lá um trem que me deixou na Estação Roosevelt. Ufa, quatro horas despistando cansa até James Bond. Fiquei orgulhoso de minha estratégia. Despistei bem, nesse quesito eu seria aprovado com mérito na escola de espiões. Precaução é importante na carreira de agente secreto, se bem que não sou espião e sim escritor de província quase inédito. Por excessiva precaução comprei um par de óculos com bigode de um camelô e me disfarcei de rabino. Um dia vou escrever um livro sobre espionagem, ganhar milhões de dólares e morar em um castelo no Sul da França onde pretendo cultivar bromélias do Brasil. Na confusão que se estabeleceu em minha pacata cabeça de escritor de província antes da fama, acabei esquecendo o envelope no trem. Entrei em casa frustrado, preparei um dry martini mexido e enquanto procurava azeitonas a campainha tocou. Era o motoboy com cara de aborrecido. Convidei-o a entrar, ele declinou e me entregou um envelope pardo volumoso. Desconfio que o mesmo que esteve antes em minhas mãos. Como? O motoboy fez aquele barulhinho de desdém tsk, tsk e antes de ir embora disse que as azeitonas estavam na gaveta das meias. Como ele sabia tanto da minha vida? Mistério. A vida de escritor de província é pacata, mas quando a gente menos espera chegam mensagens que colocam tudo de pernas para o ar. Depois de colocar um DVD do Pernalonga com o volume alto, abri o envelope. Inacreditável, a biografia de José Dirceu, roubada no Guarujá, estava em minhas mãos, com a chancela do autor, Fernando Moraes. Depois de recuperar o fôlego, preparei-me para adentrar aos mais profundos segredos do lulo-petismo, antes sorvi um gole de dry martini, seco como o interior do Ceará. Coloquei a azeitona entre os dentes da frente e mordi. Foi o meu erro, tudo começou a girar e foi então que compreendi que fora dopado. Quando acordei as páginas estavam em branco, alguém tinha entrado em meu apartamento e apagado cada linha do texto. Deve ter gastado umas vinte borrachas, a sujeira no chão denunciou a operação. Fui pegar o aspirador de pó no freezer, não seria desta vez que eu conheceria os bastidores do poder, mas alguma coisa me diz que estou na pista certa. Vou ficar ligado nos comentários. A vida de escritor de província quase inédito pode ser pacata, mas nunca é monótona.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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