Dona Ermelinda lia a sorte e benzia com cinzas do fogão à lenha. Os desenhos abstratos formados na água da latinha de manteiga Aviação eram interpretados com detalhes depois dela se concentrar e rezar baixinho. Dona Ermelinda era gorda, redonda, tinha poucos dentes e usava um lenço na cabeça. Filas se formavam na porta da casa. Moças querendo notícias de namorados, homens de negócios preocupados com a inflação, velhas com reumatismo, enfim gente curiosa como somos todos. Um dia a catarata turvou de vez a visão da velha senhora, já não era possível ler as cinzas. Internada para operar um dos olhos acabou vítima de uma incrível confusão e teve removido um olho-de-peixe do pé esquerdo. A família ficou furiosa. Foi marcada uma reunião com a presença de filhos, netos, bisnetos e o retrato do falecido. Enquanto deliberavam contra médicos e hospital dona Ermelinda sorria satisfeita imaginando-se de salto alto.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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