No verdor dos dezessete me apaixonei. Acontece com a maioria dos mortais, mas quando acontece com a gente parece que fomos nós que inventamos a coisa. Nesse clima inebriante de felicidade em que os pés mal tocam o solo eu, na sala da casa dela, tentava avançar o sinal. A donzela pudica fingia resistir entre suspiros profundos e uma infinidade de nãos. Naquele tempo as meninas tinham pais que pigarreavam. Súbito o zeloso guardião da virtude, a pretexto de criticar um programa de televisão, nos convidou para a sala ao lado. Enquanto apontava o indicador para a tela perguntou: - Isso é cantor? Olhei para a musa inspiradora. Ela sorriu para o amado pai e concordou. - É mesmo, detesto esse cara. Isso lá é jeito de cantar? Engoli em seco. Fiquei paralisado enquanto João Gilberto terminava “The Trolley Song”. Felizmente meus cigarros estavam no fim, naquele tempo era cult fumar. Saí para comprar e nunca mais voltei. Nosso amor seria impossível. Foi minha primeira desilusão amorosa. Fiquei triste alguns dias, mas logo me apaixonei de novo.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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