Depois do AI-5, pairou no ar a sensação de impotência. Ficamos perplexos, embora hoje esteja claro, que ninguém saberia o que fazer, caso os protestos de 68, redundassem na tomada do poder. Protestou-se no mundo inteiro. Cohn-Bendit ou Danny Le Rouge, comandou as barricadas em Paris. Nos Estados Unidos, terra do pragmatismo, os protestos mais significativos aconteceram em Berkeley, na Califórnia. Dirigidos contra a guerra do Vietnã, a cada dia mais impopular. No Brasil havia a luta contra a ditadura. Como aqui é a terra da bipolaridade, ou se era a favor, ou contra, não havia a possibilidade de uma terceira via. Quem tivesse vontade de viver numa democracia era execrado. Os que não almejavam a ditadura do proletariado eram chamados de pequeno-burgueses alienados. Ou mesmo de direitistas, grande ofensa. As esquerdas tinham uma enorme capacidade crítica e uma incrível falta de apetite para realizar, o que quer que fosse. Gostavam de brigar internamente. Ainda são assim. De qualquer forma, o AI-5 foi um divisor de águas. Sem revolução e sem a ilusão de que ela iria acontecer um dia, o país caiu em depressão. Começou a farra das drogas, do sexo e do rock-and-roll. Foi uma época de nivelamento - por baixo - quem puxasse fumo era legal. Misturavam-se professores da USP, bons músicos da noite, prostitutas, travestis, maus músicos do dia, ladrões, políticos, jornalistas, valia tudo. O mundo ficou odara. Os mais "espertos" perceberam que os milicos não iriam largar a carne-seca tão cedo, aliás, estavam agradando em cheio à maioria silenciosa. Trataram de arranjar um lugar no governo, de preferência no MDB. Apostaram certo. Quando foi fechada a torneira de grana que jorrava do exterior, a ditadura desgastou-se e o MDB subiu como um rojão. Levou consigo os agregados. Nessa época começou a nostalgia do que não houve, o cinema tornou-se melancólico, pretensioso e chato, incrivelmente chato. Esteticamente copiava-se o Último Tango em Paris. Nada mais fake. A música popular, ao contrário, teve uma fase de grande criatividade. No plano político deu-se o surgimento de falsos profetas. Gritavam, para a imprensa, palavras de ordem contra o governo e, secretamente, votavam com os milicos no Congresso. Foram guindados ao panteão dos heróis da causa popular. Causa própria popular, seria melhor. Enfim não dá para mudar o Brasil e os brasileiros, sem um gigantesco processo de esclarecimento. Alguns, que eram da base de sustentação dos governos militares, constituem a base de sustentação do primeiro governo de esquerda do país. Sempre os mesmos. Por falar em governo de esquerda, continua a inércia operacional e o discurso. Raivoso e indignado. Não se fuma mais maconha, malha-se, embora para alguns membros do governo não seja necessário. Fumaram tanto que a exemplo do que aconteceu com Obelix, que caiu na poção mágica quando era criança, os efeitos são permanentes. De qualquer forma, 1968 talvez tenha sido o melhor ano de nossas vidas, havia movimento e esperança. Esperança é a melhor das sensações humanas. As religiões perceberam há muito e vendem o produto a granel. Em 1968 éramos jovens e contra isso a ditadura nada podia fazer.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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