"Sexta-feira Santa" é um dia diferente. Tenho essa imagem desde os tempos de criança quando nos chamados dias santos de guarda não era permitido manifestar alegria. Mesmo que você ganhasse na loteria. Melhor não sorrir. Cara amarrada, olhar baixo e expressão de tristeza. Esse era o padrão. Para as pessoas mais velhas, criadas na igreja de outrora, fazia sentido. Crianças não entendiam, eu era criança e me lembro dos pitos que levei por praticar criancices em dia impróprio. Com o passar do tempo restam as lembranças distorcidas daquela época, tão distantes que parecem fazer parte de outra vida. Havia um atenuante, pelo menos uma possibilidade de diversão era permitida; ir ao circo, assistir "A Paixão de Cristo". Acabei me defrontando com a peça tantas vezes, no circo, no cinema, na televisão, no radioteatro Eucalol, que em uma dada sexta-feira santa longínqua preferi não ir ao Pavilhão François, circo de alumínio que todos os anos era montado perto de onde morávamos. Fiquei em casa para ver a sessão especial de cinema da TV Paulista, canal 5, que dez ou doze anos depois se transformaria na Globo. Estranhei quando antes do filme apareceu o padre Olavo Pezotti que todos os dias apresentava um programa religioso chamado "O Semeador". Ele fez a introdução e logo começou a fita: "O mártir de Golgota", com as minhas tias e as vizinhas suspirando fundo. O ator era um tal de Tyrone Power e o filme exatamente a Paixão de Cristo com outro nome, que eu pela centésima vez assisti torcendo por um final diferente. Desejei que o mocinho em vez de morrer fugisse com a mocinha e fossem felizes para sempre. Nem sempre as coisas acontecem como queremos.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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