| Alexandre H. Rodrigues |  | | | Praia da Enseada onde as anchovas cantavam guarânias |
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Lá pelos lados da praia da Enseada morava o melhor treinador de anchovas que já houve. Ele as reunia atrás da Ilha Anchieta e, ninguém sabe como, elas aprendiam a arte circense. Dançavam melhor do que a Cid Charisse, é uma pena que anchovas não tenham pernas. A fama foi tanta que atingiu São Luiz do Paraitinga, onde foi programado um espetáculo, inclusive com o arriscadíssimo número da anchova que engolia fogo. Muitas acabaram assim precocemente assadas e comidas entre lágrimas e vinho branco. O treinador levou uma equipe de anchovas pugilistas que tiveram problemas com a densidade da água doce e afundaram, o público perdeu dois nocautes sensacionais. O jornal local disse que os contendores deram golpes profundos. Aqui, os shows eram memoráveis, havia o Trio Náutilus, que imitava The Brothers Four, também era muito aplaudido o número das anchovas ciclistas que simulavam corridas, sempre vencidas pela campeã Eddie Mercks. Os espetáculos despertaram a atenção do show business americano e como todos sabem: there is no business like show business. A troupe excursionou pela terra de Tio Sam. Fizeram retumbante sucesso, despertando inveja em Carmem Miranda que disse preferir garoupas. Assadas. Atraídas pela fama, algumas ficaram radicadas na Califórnia, menos a Silvie Vartan, enlatada como sardinha por um pescador impiedoso e desalmado. Depois de anos de consagração o treinador, de um dia para outro, largou a vida artística, deixando abandonadas e inconsoláveis as pupilas. Pobrezinhas, bem que tentaram demovê-lo do intento. Dava pena, não havia quem não se emocionasse às lágrimas quando as anchovinhas, saudosas do mestre, perfilavam-se em frente ao restaurante da Zenaide e cantavam Índia, imitando Cascatinha e Inhana. Consta que o treinador teve um distúrbio na síntese do lítio e ficou com mania de perseguir vaga-lumes. Embarcou em São Sebastião e depois de descer em Gênova, foi de bicicleta para a Bulgária. Ele teve uma visão onde um profeta japonês disse para ele ir para a Bulgária experimentar costeletas de carneiro assadas com batatas coradas e dizer se eram melhores do que as que ele tinha comido na casa do compadre Alípio, embora estas fossem costeletas de porco acompanhadas de mandioca frita e alho-porro refogado na manteiga com salsinha. Acabou preso, é crime perseguir vaga-lumes na Bulgária, onde são protegidos por um programa de preservação chamado Tavagalume que envolve inúmeras ongs e tem patrocínio da Petrobras. Na cadeia, ele está ensaiando um coral de baratas para entoar canto gregoriano. Nunca mais houve outro treinador de anchovas igual no Litoral Norte.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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