Na idade que - felizmente - consegui chegar, já assisti muitas mudanças de governo e crises das mais variadas, onde os envolvidos sempre levam as previsões a extremos. Os que assumem exageram em suas promessas (mesmo que depois não as cumpram) e os que saem espalham o pessimismo diante do que o adversário sucessor poderá fazer de ruim. O que ocorre hoje não é diferente de muitos momentos que já vivi. A especificidade está só na pequena margem de votos que separou os concorrentes presidenciais de segundo turno (1,8%) e no estado de polarização política que toma conta do País desde o impeachment de Dilma Rousseff. Temos de reconhecer que, depois de ir à lona, o Partido dos Trabalhadores se recupera e volta ao poder, mesmo que com restrições que tendem a tumultuar a sua atuação. A nós, cidadãos, que fazermos o principal, elegendo nossos representantes, não resta o que fazer depois da eleição porque não podemos repreender os que não atendem às expectativas. O ideal seria poder reavaliá-los no meio do mandato, como já se faz em países desenvolvidos. Mas, por enquanto, só há a opção de esperar e torcer para que ocorra o melhor ou, pelo menos, o menos traumático à população. O quadro é difícil, Muitos ainda acreditam que Lula não tomará posse, clama-se pela intervenção das Forças Armadas (que permanecem silentes), Bolsonaro continua quieto e enigmático. Futuros auxiliares de Lula falam demais e (na minha opinião) antes do tempo. A Justiça Eleitoral usa mão-de-ferro para punir quem duvida das urnas eletrônicas e da lisura das eleições, e o Congresso Nacional é acusado de omissão, especialmente pelas atitudes dos seus presidentes (Rodrigo Pacheco, do Senado e Arthur Lyra, da Câmara) que em vez de submeter a seus pares os pedidos de impeachment de ministros do STF, do procurador-geral da PGR e do presidente da República, sentaram em cima das petições e enfraqueceram o Legislativo perante o Judiciário e o Executivo. Apesar do desconforto do momento, o tempo que já observei os embates, aventuras e desventuras políticas conduz a uma singela conclusão: tudo passa. Não creio que, Lula conduza nosso País ao esquerdismo exacerbado e nem ao caos vivido em países que se esquerdizaram, da mesma forma que não admito a viabilidade do sonho (talvez pesadelo) de se montar à União das Repúblicas Socialistas da América Latina aos moldes da extinta União Soviética. Não acredito também que o governo petista cometa os mesmos erros ou enganos de que foi acusado e pelo que seus integrantes foram processados em passado recente. As variáveis são outras e as forças políticas diferentes das de então. Todo momento é único e dificilmente se repete. Os que temem, por exemplo, a repetição do ocorrido em 1964, quando os militares assumiram o poder, tenham a certeza de que isso não ocorrerá ou, pelo menos, será diferente, porque o Brasil e o Mundo de hoje também são outros, muito distantes dos que tínhamos há 58 anos. Naquele tempo havia a guerra fria e as potências se dividiam entre esquerda e direita. Fomos apoiados pelos Estados Unidos, objetivando impedir a esquerdização. Hoje esquerda e direita mais se parecem peças de ficção. Ocorra o que ocorrer, no dia 2 de janeiro estaremos todos nós, cidadãos, desempenhando as nossas funções no trabalho, na sociedade e a vida continuará. Espera-se que depois desse tempo de questionamento e depuração, o País esteja mais maduro. Que os congressistas se portem melhor e cumpram suas obrigações sem omissão ou desídia. Sejam mais diligentes e cumpridores de suas obrigações e façam andar as reformas que o País tanto necessita. O parlamento tem de ser mais célere nas suas atividades, não deve se omitir e, principalmente, permitir que outros poderes atropelem suas prerrogativas. O Executivo precisa se modernizar e buscar eficiência. E o Judiciário, focar suas atividades naquilo que é a sua gênese: julgar e desfazer contendas e dúvidas da sociedade. Uma lição que, a meu ver, sobra deste momento crítico, é a necessidade de reforma da Justiça Eleitoral. Da forma que esse setor opera atualmente, os magistrados são transformados em administradores do processo de coleta e contagem dos votos, uma atividade que deveria ser entregue a burocratas especialmente concursados para esse fim. O juiz eleitoral, independente se de nível federal, estadual ou municipal, jamais deveria ser alguém questionável quanto à eficiência das urnas eletrônicas ou da honestidade na contagem dos votos. Ele deveria estar preservado em sua essência para, no questionamento, ser aquele ente em condições de julgar a questão e emitir a conclusão clara e pacificadora da sociedade. Para isso, logicamente, não poderá ser o administrador do processo... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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