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SEÇÃO
Crônicas
13/05/2021 - 05h13
O primeiro beijo
Damião Ramos Cavalcanti
 

Pouca gente se pergunta quando viu, pela primeira vez, o beijo. Não aquele da mãe, depois das tias, parecido mais com o cheiro no pescoço, do que com um beijo pra valer. O primeiro que vi não foi em casa, mas na da vizinha, de Dona Bila, num canto meio escuro da sala, perto da janela fechada. Escondidos da mãe Bila, da tia Sílvia e da irmã Valdiza, João e Célia se demoravam calados, um olhando o outro, até chegarem ao desfecho desejado, o beijo, que, no cinema, sempre se consagrou como epílogo de um romance. João, homem bonito, de penteado puxado para trás, passava o pente, de instante em instante, nos cabelos brilhosos de brilhantina. Era diferente dos rapazes de Pilar. Célia tinha essa vaidade: seu namorado vinha de longe. Menino, entrando de repente na sala, sem avisar a ninguém, sem ser visto, fiquei surpreso, ao ver, pela primeira vez, uma boca dentro da outra. Abrasados, não perceberam minha fortuita presença, e continuaram até que ouviram as pisadas dos tamancos da mãe de Célia, Dona Bila. Dadas tantas vezes, mesmo aos sete anos, passei a entender que João vinha de Itabaiana quase somente para beijar... Durante a circunstância da Festa da Padroeira, ele refazia bolas de festa, aproveitando as bolas estouradas, dividindo o tempo de Célia com as crianças.

A enésima vez, em que vi o beijo, foi no cinema, no mercado da cidade, sentado num saco de feijão. Somente pessoas chics, como Zezita Matos que morava ao lado, levavam cadeira de casa para o “cinema”. Na cena do beijo, não me lembro quais eram os artistas, recordo, em detalhes, apenas a arte. Os dois, sentados no lençol da cama, igual ao que se estendia na parede, para ser a tela, sustentada por fios de barbante. O cinema não era mudo, mas não se escutava o beijo, via-se o ato, alongado pela paixão dos protagonistas e por uma entusiasmante música de fundo. Tudo em preto e branco. Somente na casa de Dona Bila, o beijo, já repetidas vezes, era colorido, ressaltando as bochechas de Célia avermelhadas, e enfim, seus olhos castanhos, mirando os de João, como falassem que uma coisa muita boa não teria chegado ao fim. Beijo é assim , uma obra inacabada...

Beijar, naquele tempo, já era coisa antiga, mas inibido a ser de público, como no cinema. Mesmo ousados, João e Célia, cuidadosamente, olhavam para todos os lados, e, sentindo-se sozinhos, iniciavam os carinhos, culminando com o beijo. Passei a saber a circunstância exata do beijo, pondo-me no buraco da porta, nunca tapado pela memória. Mas, tempo depois, já morando em Itabaiana, aos treze anos, o Padre João Gomes da Costa só liberava os “pré-seminaristas” e coroinhas a irem ao Cine Ideal, da cidade, se Dona Maria da Costa se certificasse de que, na película, não houvesse alguma cena de beijo. Assim acontecendo, ela autorizava: “Pode ir, o filme não é de amor”.

Até então, ainda havendo inibição, beijava-se raramente, tampouco se referia a esse assunto, quando se tratassem de amantes adoentados. Isso, geralmente, verifica-se nos romances, em que amadas ou amados se enfermam de tuberculose. A distância entre amantes se preserva até literariamente, nem se pensa em beijo. Atualmente, com o ataque do Coronavírus, o uso da máscara esconde do nariz ao queixo, não se vendo lábios e boca, sem os quais não se beija. Dias atrás, à procura de saber quem é Juliete, vi suas colegas e companheiros, beijando-se, escondidos, sob câmaras, do liberal Big Brother. E também, a exemplo disso, em noticiários de bailes proibidos, nas palavras do escritor Wellington Aguiar, dava-se “beijo de língua”, todos sem medo do terrível vírus. Não se define beijo pelo gosto do chiclete, mas pela definição do amor, dada pelos enamorados. João e Célia beijaram-se, casaram-se e morreram casados. No entanto, o beijo vem da época quaternária, quando tigre tinha dente de sabre...

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