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SEÇÃO
Crônicas
28/12/2022 - 06h39
Um Natal adulto
Henrique Fendrich
 

É Noite de Natal e eu olho pela janela do meu apartamento. Depois de muitos anos, decidimos colocar alguns pisca-piscas nessa janela. Então eles brilham e piscam logo acima de mim, como se estrelas fossem, como se representassem todo o mistério do Universo ou ao menos o desta noite. Pessoas ainda caminham pelas ruas. De onde vêm e para onde vão? Talvez sejam ainda os funcionários de supermercados, que só agora foram liberados e correm para chegar à casa de alguém, onde terão uma ceia humilde, mas acolhedora. São personagens do velho Dickens.

Um ônibus passa sem parar no ponto, pois já ninguém espera por ele. Os motoristas de ônibus não são liberados nunca, e até depois da meia-noite estarão ainda correndo para lá e para cá. Já nem há mais cobrador nos ônibus, então a solidão do motorista é ainda maior. Espero que, enquanto passa por aqui, ele tenha conseguido observar a desajeitada corrente de pisca-piscas que colocamos e que isso tenha provocado um sentimento bom, talvez uma lembrança da sua infância, onde o Natal ainda era um dia especial, cheio de surpresas e aquela indefinível magia.

Volto-me para dentro do apartamento. Há uma árvore simples, artificial, mas que tem lá o seu charme. Não há presentes embaixo dela. As coisas andam muito caras por esses dias. Ademais, não há nenhuma criança por aqui também. É um Natal de adultos, o que significa isso mesmo, um Natal sem presentes, sem surpresas, sem muita graça. O meu plano para esta noite é o de deitar-me no sofá e ler. Ouvi falar que lá na Islândia é assim que eles passam a Noite de Natal: lendo. Ah, a Islândia é um lugar tão distante daqui, mas os natais da minha infância são mais.

Escolho um conto de Natal, não aquele sobre o avarento Scrooge, mas um de Stevenson sobre o atormentado Markheim, que, em plena véspera de Natal, tem um terrível encontro com a sua consciência. A história serve para uma autoavaliação moral. Não sei se realmente chego a ser bom, ou se, simplesmente, refugio-me na bondade, que é mais confortável. Escuto fogos lá fora, embora a lei os proíba. Nasceu Jesus. Que responsabilidade a de alguém se dizer cristão! Volto a olhar a janela iluminada. Para onde vão tantos carros? É noite santa, é hora de dormir.

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