O menino 1 Na minha mesinha de reuniões, há um botão vermelho em uma ponta e um botão vermelho na outra. No caso de botar tudo a perder, eu mesmo tenho que apertar os dois, em uma sequência de toque e após três voltas ao redor da mesa, correndo numa perna só em sentido horário e outras três em sentido anti-horário. Cumprida esta senha-itinerário, um oficial de cavalaria é acionado para entrar em meu gabinete mencionando “Ieltsin” de trás para frente, e a palavra “sangue” em sânscrito - que precisa ser pronunciada pelo menos duas vezes em alto e bom som, após o que o referido oficial deverá mostrar o rosto de Lenin esculpido na sola do seu coturno direito. Devo dizer também que mantenho botões em todos os lugares imagináveis, incluindo a tampinha do ralo da banheira e embaixo do assento da pravda (ops, ato falho, lembrança dos velhos tempos), digo, embaixo do assento da privada. Desculpem, é que depois de décadas de comunismo ainda soa estranho pronunciar a palavra “privada”. Somos atualmente um país sem ideologia estatal, ainda que eu mesmo, lá no fundo, me recuse a acreditar nisso. O menino 2 Até 2017, eu tinha dois botões para acionamento das ogivas nucleares. Ambos idênticos. Mas acabei destruindo o irmão da esquerda com um martelo de bater carne, ficando só com o meu botão. É meu, meu e só meu! Não divido com ninguém meu botãozinho de tungstênio cravejado de rubis, capaz de destruir dezessete Terras e três Júpiteres num piscar de olhos puxados. O menino 3 Tenho uma mala comigo e a vice-presidente possui outra, as duas com pleno domínio de acionamento das 5.500 ogivas norte-americanas. No entanto, para acionar uma ou mais delas, é requerida a digitação do código de barras e da data de validade do saco de marshmallow armazenado no frigobar do Salão Oval da Casa Branca. Após isso, serão solicitadas as iniciais das músicas executadas pelos Beatles na primeira das duas apresentações por eles realizadas no Ed Sullivan Show, em 1964. Por último, a digitação do nome do avô materno de Abraham Lincoln permitirá o disparo das ogivas a partir de qualquer um dos cinquenta estados dos EUA. Esta é uma obra de ficção.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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