Eis que mais uma vez, do alto de sua miserável choupana, considerada por muitos o oráculo dos oráculos, o Venerável e nunca suficientemente louvado Duña rompeu prolongado silêncio e assim se manifestou aos romeiros, ajoelhados à sua porta: Não, irmãos, as chamadas Profecias de Nostradamus não são de Nostradamus coisíssima nenhuma. O dito cujo não passava de um escriba de horóscopo quando me enviou currículo, procurando estágio. Isso lá pelos idos de 1527. Se eu disser que fizemos as profecias a quatro mãos, estarei sendo benevolente e admitindo uma parceria que não existiu. A verdade é que eu tinha as visões e as ditava a Nostradamus, que nada mais fazia do que escrevê-las. Lembro-me ainda que, em diversas ocasiões, ele implorava para que as ditasse mais devagar, a fim de dar tempo de colocá-las no papel. Febrilmente, eu ia jorrando as profecias, em ritmo frenético. E o barbudo só pedindo para ir com calma, que o mundo não ia acabar. Ao que eu retrucava: “Vai acabar sim, Nostra. Quer que eu conte de que forma?” Fato é que Nostradamus se deu conta de que não passava de mero escrevinhador, e que precisava urgente de um curso intensivo de taquigrafia para dar conta do manancial profético que eu ia botando para fora. E vejam que ironia... quem entrou para a história como o mais certeiro profeta de todos os tempos foi ele – um impostor de terceira classe, um parasita da vidência alheia. Sei muito bem que o que faz a grandeza dos verdadeiros profetas é a abnegação, a renúncia às glórias e à fama efêmera deste mundo. Tanto acredito nisso que há séculos mantenho minha boca fechada a respeito de Nostradamus e seus “feitos”. Permitindo, em uma demonstração de desprendimento, que o infeliz fique com os créditos das profecias que não fez. Recordo-me, como se fosse hoje, da ocasião em que me ocorreu a visão da morte da Rainha Elizabeth. Acertei em cheio a idade e o ano em que a inoxidável Bethinha iria começar a comer capim pela raiz. Foi tão na mosca que as vendas de livros a meu respeito andam disparadas no Reino Unido. Eu poderia, se quisesse, reivindicar direitos e royalties. Reatroativos, inclusive. Mas fiz voto de pobreza, e a ele não renuncio. Esta é uma obra de ficção.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
|