O parto do jacaré
- Job novo chegando, meu caro Jacques, encomenda do René, o tenista. Aqui está dizendo para criar uma logomarca de um crocodilo estilizado, para uma grife de roupas de tênis. - Nossa, que estranho. E vindo do Dr. René, um homem refinadíssimo, é mais estranho ainda. Crocodilo é animal selvagem, nada a ver com esse esporte. - Claro. Tenistas formam uma elite, seria mais apropriado um vison, por exemplo. Isso se for mesmo o caso de escolher um bicho pra simbolizar a marca. - Concordo contigo, Antoine. Ninguém vai usar isso. Imagina só, vão começar com aquela brincadeira maliciosa, de que jacaré se defende com o rabo. Fracasso retumbante, marca natimorta. - Ainda bem que o cara é rico, porque vai perder dinheiro com essa roubada de botar jacaré estampando roupa. Só pode ser um surto psicótico, né? Passa uma coisa negativa, é um animal que engole gente. Não é amigável, não atrai. - O que ele pretende? Vamos tentar entender o que se passa na cabeça do cara. Se fosse uma linha de jaquetões tipo safari, tudo bem. Adequação total. Mas um infeliz de um jacaré pra uma coleção urbana, e parisiense! A gente tem que alertar o Dr. René, não é possível, eu me recuso a prosseguir com este job. - Mas espera um pouco. O que eu entendi a princípio é que era uniforme de tênis, e não roupa pra se usar normalmente... - Então, a ideia do René é começar na quadra, ganhar visibilidade pra depois ir para as ruas. Ele está contando que a coisa será um sucesso estrondoso. - Jesus amado! Olha, tenho uma ideia melhor - vamos ignorar o crocodilo. Eu trabalho uma opção com um panda e você faz uma chinchila, pode ser? A gente satisfaz o cliente usando um bicho, mas defende o fato de não poder ser um jacaré. Depois o negócio dá errado e ainda vão dizer que nós, especialistas em design, não alertamos. Não nos interessa a cumplicidade com um fracasso. - Justamente. Não é porque o cliente manda que a gente tem que baixar a cabeça. - Tô até vendo, ele vai chorar amargamente. - Lágrimas de crocodilo. No bom sentido, o René é gente boa. Esta é uma obra de ficção.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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