- Fica firme, não se mexe de jeito nenhum. Não pisca, olha fixo pra mim. - Se demorar mais um pouco, de Monalisa eu vou virar Mona Enrugada. Ninguém aguenta isso, Leonardão... - Segura um tiquinho mais aí. Misericórdia, segura mais um pouquinho só. Manda aquele sorriso enigmático que só você sabe fazer... Isso... faz e segura. Pensa que o seu marido, aquele mercador que não dá valor ao que tem em casa, está viajando para as Índias e você está livre para fazer tudo o que tem vontade... Tudo, tudo, tudo mesmo. - Assim? - Quase. Levanta um pouco mais a cabeça e para de pensar nessa sacanagem que você imaginou aí. Preciso de um meio-termo, compreende? Uma expressão que faça as pessoas refletirem, ficarem intrigadas. Não vamos entregar o sentido, assim tá vulgar. Está libidinoso demais. Sei que você pensou em mim e fico lisonjeado com isso, mas menos. Bem menos, Mona. - Bom, então eu vou fazendo caras e bocas até você achar que está bom. Quando chegar no que você quer, me avisa que eu congelo. - Estufa bem o peito, vamos deixar este decote mais insinuante. É, quase isso, mantenha bem reta a coluna. - Perfeito, só que desmanchou o sorriso, Mona. - Ô, Dio mio! Ou eu presto atenção no sorriso ou nessas instruções de postura, não consigo controlar tudo ao mesmo tempo. - Agora é dar uma esfumada aqui nos cantos dos lábios. - Fumar? Posso dar um intervalo pra fumar? - Não, não... esquece o que eu falei, fica firme aí. - Viu, será que rola um limoncello daqui a pouco? Pra relaxar, sabe. Já tem umas três horas que estou aqui. - Minha querida, entenda que estamos vivendo um momento histórico. Pode ter certeza de que daqui a 500 anos ainda estarão falando da gente. Posso até imaginar o quadro pronto e exposto, protegido pela polícia e por cordão de isolamento, num museu imenso. Milhares de pessoas por dia pagando uma senhora grana para ver - e de longe - o que vai sair desse pincel daqui a pouco. - Se acha, né? Vai inventar helicóptero que dá mais certo, cáspita. - Imagina só, gente do outro lado do mundo, cruzando mares só pra te ver. Chineses vindo em arrastão ao museu onde o seu retrato vai ficar, tendo que dar uma olhadinha rápida e sair logo, pra entrada de outra leva de chineses, e assim ininterruptamente, sete dias por semana. Em lugar de navegadores italianos arriscando a vida para conquistar territórios no Novo Mundo, a América desembarcando em massa para se extasiar com seu rosto misterioso, minha musa florentina. - Aham... aí você acordou? - Falo sério, querida. A pintura está prontinha aqui na minha cabeça, mas você precisa colaborar um pouco. Por que tá encolhendo a barriga? - Tô é segurando a bexiga... me libera pra um xixizinho básico, Leo!!! - Se o problema era esse, já devia ter falado. Pega isso aqui, ó. Coloca debaixo da saia e fica à vontade, não precisa ir até o banheiro. Se preferir, eu viro as costas pra você não ficar com vergonha. - Que estranho esse negócio. Eu seguro aqui na alça? - Isso. - Só você mesmo, Leo... - Minha última invenção. Chama-se penico.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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