Acredite no que você está lendo, por mais que pareça um pesadelo e um retrocesso da Prefeitura Municipal de Ubatuba isto é real. Os programas de controle populacional de cães e gatos são utilizados na Dinamarca, México, Nova Zelândia e Índia, desde que essas campanhas foram implantadas nos EUA na década de 1970, com excelentes resultados. E seguindo esse bom exemplo, muitos são os municípios brasileiros a adotar essa prática bem sucedida. Mas, contrariando tudo o que se sabe e desconsiderando a experiência de anos e anos destes países e cidades com relação a isso, a Prefeitura Municipal de Ubatuba entendeu que esterilizar animais não é necessário e nem importante para sua comunidade. Conforme Oficio nº 298/2015 GP-CG, por ordem do Senhor Prefeito, em resposta à Indicação 175/15 da vereadora Flavia Pascoal, explica-se a suspensão das castrações com base em uma Portaria do Ministério de Saúde que sugere a implantação das cirurgias para controle populacional em situações excepcionais, áreas determinadas e por tempo definido. O argumento da Prefeitura: “... até o momento não ter havido situação que justificasse a realização das castrações de cães e gatos pelo CCZ, reconhecemos a importância dessas ações para o município, ainda que não sejam voltadas para o controle de zoonoses e para a manutenção da saúde pública, tanto que, desde março de 2007 realizamos 6.262 castrações de cães e gatos...”. Esclarece ainda o referido Ofício que com o término do Convênio PSF-Santa Casa, muitas foram as demissões de funcionários, inclusive médico veterinário para os procedimentos cirúrgicos do Centro de Controle de Zoonoses – CCZ. Informa estar prevista a contratação de profissional para este fim, mas não estabelece data, o que nos leva a pensar se pode ocorrer mês que vem, daqui um ano, ou daqui dez anos. Talvez na próxima campanha eleitoral. Para além da questão de saúde pública devemos refletir sobre a questão do meio ambiente e do turismo, bem como o quão desumano é virar as costas para os animais abandonados de um município. Como é desagradável ir a uma cidade turística e verificar com nossos olhos o desrespeito e a ausência de consideração pelos animais, pelos seus animais, porque se estão dentro dos limites do município dizem respeito aos órgãos competentes que foram constituídos para desempenhar suas respectivas responsabilidades. Cães e gatos largados sem cuidados procriam a céu aberto possibilitando ninhadas e mais ninhadas indesejadas, que com fome viram os lixos e defecam por onde passam. Acabam perambulando doentes por todos os cantos, para afinal serem mortos por atropelamento nas vias públicas, nas estradas ou envenenados, com seus corpos depositados nas matas ou nos rios e córregos que existem pela cidade de Ubatuba. E muitas vezes onde caem, ficam, em decomposição, como algumas vezes tive oportunidade de ver. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada pela UNESCO no ano de 1978, na Bélgica e em seu artigo 6º diz que “todo o animal que o homem escolheu para ser seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural” e também que “o abandono de um animal é um ato cruel e degradante”. Em seu artigo 12 proclama que “todo o ato que implique a morte de um grande número de animais é um genocídio”, ou seja, um crime contra a espécie. Da mesma forma que os direitos dos homens, os direitos dos animais devem ser defendidos pela lei. O artigo 32 da Lei Federal Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998) relata que o ato de praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos é passível de pena, com detenção de três meses a um ano, e multa, incorrendo às mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos (a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer morte do animal). Se não houver uma política pública em Ubatuba voltada para o controle de natalidade dos cães e gatos, acompanhada da necessária conscientização da comunidade o que vai acontecer com estes animais? Os filhotes de cães e gatos nascem de forma acelerada, em progressão geométrica, tornando-se milhares em pouco tempo. Serão capturados e sacrificados? Ubatuba não será reconhecida como Taboão da Serra, em São Paulo que no ano de 1996 implantou o “Programa de Controle das Populações de Cães e Gatos”. O município de Taboão teve uma ação exemplar em relação ao bem estar dos animais que teve sucesso na união composta pela prefeitura, veterinários e de toda a comunidade. Foi conhecida por ser precursora na área e foi reconhecida pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) bem como no Brasil e exterior. São Paulo e outros municípios adotaram essa iniciativa. O Ministério da Saúde preconiza método ultrapassado onde a captura vem seguida de morte. Além de ser dispendioso, é ineficaz, cruel e não é correto para o meio ambiente, sendo muito diverso das orientações da Organização Mundial de Saúde que desde 1992, em seu 8º Informe Técnico orienta que todo programa de combate à raiva deve contemplar como elemento básico o controle populacional, ao mesmo tempo em que a vigilância epidemiológica e vacinação, bem como as campanhas informativas à população sobre posse responsável e importância de castrar seus animais. A decisão da Prefeitura Municipal de Ubatuba de suspender as cirurgias caminha na contramão de inúmeros estudos realizados que comprovam o quanto são relevantes políticas públicas neste sentido. Quanto mais animais abandonados nas ruas maiores serão as chances de proliferarem as doenças entre eles que além de não receberem cuidados também não são vacinados. A raiva, a leishmaniose, escabiose, toxoplasmose, micoses e giardíase são alguns exemplos de zoonoses que podem ser transmitidos aos humanos, ocasionarem grandes transtornos e até levar à morte. São, portanto, questão de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde – OMS preocupada com a saúde coletiva recomenda que seja dada atenção ao bem estar dos animais, uma vez que os saudáveis acarretam menos despesas para os municípios com relação à saúde pública. Tudo está interligado, pois todos são seres vivos e uma sociedade justa não pode desrespeitar seus animais, pois estará desrespeitando sua comunidade, estará desrespeitando o meio ambiente e colaborando para a poluição do planeta. Com a castração dos animais haverá redução de sacrifícios, diminuição de animais nos abrigos e menos despesas com saúde pública. Há casos de municípios em que os CCZs reabilitam, castram, vacinam, encaminham para adoção e conscientizam a população de que a castração é um ato de amor, de respeito e de compaixão. São campanhas eficazes e eficientes que ao serem ininterruptas mostram seus resultados positivos. Seria maravilhoso se isso efetivamente acontecesse em Ubatuba, pois a cidade se mostraria alinhada com os princípios éticos de respeito social e engajamento com o que é sustentável. Todo o trabalho até aqui realizado estará perdido se não houver continuidade.
Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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